O ano da lotação esgotada em Paredes de Coura e de todos os recordes de público, foi o ano em que, afinal de contas, Coura continuou a ser Coura: um cenário natural único e uma programação atenta e de grande qualidade, juntando nomes consagrados e as bandas de que toda a gente vai querer falar nos próximos meses. Não tem sido sempre assim?
De resto, se o anfiteatro nas margens do Taboão teve casa cheia no dia 23, não o deve apenas à enchente de teenagers, nem à procura que vem sendo habitualmente maior no sábado do festival. Isso aconteceu, sobretudo, porque o cartaz do dia era forte. Muito forte. Um dos melhores e mais intensos dos últimos anos de Paredes de Coura, capaz de concorrer com as míticas edições de 2005 e 2006.
Sábado foi o dia que definiu a edição deste ano do festival. A casa cheia. E um programa excelente. A noite começou a ganhar dimensão no palco secundário, com os Goat. Foi um daqueles momentos de revelação em que o festival se tem especializado – dois dias depois e já os sintonizamos em FM, o que não acontecia até sexta-feira.
A pose em palco – nem uma palavra dirigida ao público, vocalistas-bailarinas cobertas de máscaras e trajes exóticos, músicos de burka – empresta um lado teatral à actuação dos suecos, mas é a música que convence: um misto de ritmo funk, guitarras do rock e do blues, sons de África e Médio Oriente. Bem a propósito, o disco que os trouxe até aqui chama-se “World Music” e é precisamente esse mundo todo em cima do palco que os torna tão intensos e memoráveis.
Enquanto os Goat terminavam a sua performance, no palco principal começavam a ouvir-se os Beirut. Sem serem exuberantes, mostraram ser uma banda sólida, transpondo para o palco o som marcante dos discos de estúdio. Desde o primeiro lançamento, em 2006, que Zach Condon desenvolveu um estilo próprio, que cruza o Médio Oriente, com as orquestras balcânicas, dá um salto ou México e, também em Coura, ainda canta uns versos em português brasileiro de Caetano. Mais uma vez há muito do mundo no palco de Coura.
Nem sempre os grandes concertos dos festivais de Verão têm que ser protagonizados por bancas rock, compassos acelerados e guitarras eufóricas. Coura já o tinha provado, por exemplo, aquando da passagem dos Kings of Conveninece pelo festival, em 2011, e voltou a mostrá-lo com Beirut e, sobretudo, James Blake, o grande espetáculo da noite. O grande momento de Paredes de Coura 2014.
Intenso e arrebatador, o britânico foi da excitação eletrónica ao intimismo das versões muito minimias de canções de Bill Withers e Joni Mitchell, passando pelos temas mais marcantes dos seus dois álbuns, sempre a resvalar para o dub step. Nada faltou num concerto em que Blake não se limitou a apresentar o seu registo em estúdio e fez crescer cada uma das músicas. Em frente a ele, quase 30 mil pessoas, que não desarmaram perante a actuação – e convertendo certamente alguns espetadores mais desconfiados.
Antes de Blake, já tinha havido espaço para o pop-rock de corte elegante de Hamilton Leithauser, a voz dengosa de Kurt Vile e os vila-condenses Sensible Soccers, a mostrarem que são do melhor que a música portuguesa viu nascer nestes anos. Teriam sido protagonistas noutro qualquer dia do festival. Neste dia 23, o dia em que Blake, Beirut e os Goat brilharam em Coura, não tiveram espaço.
Nos três dias anteriores, Paredes de Coura já tinha registado boas casas. Na habitual recepção aos festivaleiros, os concertos tiveram que passar para o palco principal, perante a afluência incomum para ver, sobretudo, a pose de Janelle Monáe. Na sexta-feira, sem pontos altos, acabou por ser a segurança dos Black Lips e os portugueses Linda Martini – que são já quase da casa – a ter destaque.
A quinta-feira tinha dado, porém, grandes momentos ao público de Coura, com o happening em que se transformou a actuação de Seasick Steve, um californiano de 74 anos a trazer os sons da América profunda – a música não convence, mas o espetáculo é marcante –, uns Chvrches de quem o público esteve inexplicavelmente desligado e um dos grandes senhores do rock, Thurston Moore. Ainda para mais acompanhado pelo baterista Steve Shelley. Por muito que custa ouvir fica dito: 50% de Sonic Youth é incomparavelmente melhor do que 100% do hype de algumas coisas novas que por aí andam. Incluindo outro ruivo, agora famoso, Mac de Marco, que andava, pela mesma hora, a actuar no palco principal e a fazer babar os críticos.
E depois houve Franz Ferdinad. Cinco anos depois da primeira passagem pelo Taboão, regressam mais maduros, menos famosos, mas com a mesma eficácia. Em modo “best of”, quase fizeram esquecer o desastrado “Right thoughts right words right action”, com um concerto em que foram directos ao assunto, fazendo desfilar os hits que os fizeram famosos. Foram o melhor que aconteceu naquela noite. Mas ainda faltavam 48 horas para o melhor de 2014 em Paredes de Coura.