Paredes de Coura 17: Hip-hop e jazz no festival do rock

Kate Tempest no Paredes de Coura 2017. Foto de Hugo Lima

Passamos bem a semana de festival, mas, sejamos claros, na casa em que o Ócio passou o Paredes de Coura 2017 havia gente muito diferente: jornalistas e pessoas que trabalham no meio artístico, gestores, engenheiros… Estranhou-se, por isso, a unanimidade na resposta quando, no domingo, enquanto se retemperavam as últimas forças deixadas no recinto com os sempre excelentes ovos mexidos do pequeno-almoço, se lançou a pergunta: Quais foram os melhores concertos deste Paredes de Coura? Eis as nossas escolhas. No festival do rock, foram o hip-hop e o jazz a arrebatar-nos.
Kate Tempest

Além de fazer música, Kate Tempest é poetisa, dramaturga e romancista. Não se estranha, pois, que seja a palavra a estar no centro da criação musical da autora de Everybody Down (2014) e Let Them Eat Chaos (2016), dois murros na mesa que já nos tinham levado a incluí-la entre os concertos que tínhamos mais vontade de ver no Paredes de Coura deste ano. A genialidade de Tempest não está só na maneira como cria narrativas e imagina situações, descrevendo o desassossego da sua geração. Ao vivo ela mostra também ser capaz de dar solenidade a essas palavras.
Temíamos que a sua mensagem pudesse talvez perder-se no meio da euforia que quase sempre reina no recinto de um grande festival. O que aconteceu foi, todavia, o seu contrário. A voz de Kate Tempest ficou, por mais de uma vez, sozinha em palco, despida da percursão, sintetizadora e electrónicas que a acompanhavam – excelentes e que, por mais de uma vez, nos fizeram dançar – e confrontando as quase 20 mil pessoas que, bem tarde naquela quarta-feira, estavam ali a ouvi-la. Despiu as palavras, quando elas disso precisavam. E com isso criou uma empatia com o público que foi audível em cada reacção a um momento de reconhecimento. Afinal de contas, ela é uma poetisa de boa parte da geração que enche Paredes de Coura. Revimo-nos nela e no que ela nos diz.

Badbadnotgood

Ao segundo tema do concerto dos badbadnotgood, houve um imenso silêncio no anfiteatro de Coura para ouvir o solo de piano de Matthew Tavares. Percebemos de imediato que o concerto seria marcante. Afinal de contas, havia uma multidão de festivaleiros, habituados ao rock e desejosos por soltar energia no mosh, que estavam a calar-se para ouvir jazz. O concerto não se fez só de silêncios, evidentemente. Valeu pela forma como o quarteto canadiano foi capaz de transportar para o palco uma energia contagiante, que dá força redobrada aos temas que já conhecíamos – sobretudo de “IV”, o álbum que foi um dos melhores de 2016.

Contudo, foi Alexander Sowinski, verdadeiro mestre-de-cerimónias, quem tornou um excelente concerto num espetáculo memorável, mostrando ser tão virtuoso atrás da bateria como enquanto performer. Sowinski foi capaz de gerir os tempos da actuação, entre a contemplação da extraordinária capacidade de interpretação e improviso dos badbadnotgood, e a necessidade de chamar o público a ser parte daquele momento. Durante uma hora, houve música e contemplação, dança e também euforia.
Young Fathers

Há que confessar que íamos sem grandes expectativas para o concerto dos escoceses. Conhecíamos-lhes um par de temas dos álbuns “Dead” (2014) e “White men are black men too” (2016), mas nunca nos tinham entusiasmado particularmente. Talvez por causa do timbre da voz de “G” Hastings, um dos três vocalistas dos Young Fathers, a banda soava demasiado pop no registo de estúdio. Demorámos apenas três minutos a perceber que estávamos enganados.

Ao vivo, não há grande espaço para a melodia: os Young Fathers são explosão de potência e exposição gutural. Partem do hip-hop, mas debitam desejo de dança que nos fazem viajar a África – origem de Alloysious Massaquoi (Libéria) e Kayus Bankole (Nigéria) –, ritmo eletrónico e techno e uma energia que raia o hardcore. Dificilmente se resiste a esta proposta em cima do placo. Ao ponto de, por momentos, esquecermo-nos que ainda não eram 20h00 e ainda havia luz natural no recinto de Paredes de Coura quando os vimos e deixamos o corpo entregue ao seu som.