A Casa das Artes foi um equipamento pioneiro na apresentação de uma programação cultural regular numa pequena cidade e que cumpre, em 2016, 15 anos. Álvaro Santos, 43 anos, músico de formação clássica, é o director e programador da Casa das Artes de Famalicão e acredita, com satisfação, que o trabalho desenvolvido de forma ininterrupta merece uma menção honrosa.
A Casa das Artes foi uma das primeiras salas a surgir no sistema de pequenas cidades do Minho. Como recorda esse momento em que a Casa das Artes abriu as suas portas?
Oficialmente, a data de inauguração foi a 1 de Junho embora, na prática, a Casa das Artes já estivesse em actividade antes desse dia. O Famafest, o festival internacional de cinema, já tinha sido no início de Maio, por exemplo.
Apesar de, na altura, não estar cá como director, acompanhei o processo, juntamente com a Divisão de Cultura da Câmara Municipal. Antes de mim esteve cá o Paulo Brandão e, finalmente, em 2006, é que assumo a direcção. Gosto de falar das pessoas que estiveram envolvidas no projecto nestes 15 anos e não é por uma questão de simpatia. Se a Casa das Artes existe é por causa destas pessoas todas. A Casa das Artes foi a primeira estrutura de raiz a ser construída a Norte, um projecto do arquitecto Pedro Ramalho, que trabalhou, na mesma altura, na remodelação do Teatro Rivoli.
Como é que a população de Vila Nova de Famalicão recebeu o novo equipamento?
Hoje, a Casa das Artes é um projecto perfeitamente consolidado, que é conhecido, apreciado e acarinhado. Há uma ligação especial da Casa das Artes com as pessoas que nos visitam, especialmente aquelas que estão cá frequentemente. Há, hoje, relações bem estabelecidas não só com as pessoas da região, mas também com as instituições.
Houve alguma polémica e indignação na altura da destruição do Teatro Augusto Correia [teatro inaugurado em 1962 e demolido nos anos 1990]. A Casa das Artes veio substituir o Teatro Municipal de Famalicão, que existia sensivelmente no mesmo local, no espaço do Parque de Sinçães, numa das áreas da cidade em renovação e onde se instalou também a Biblioteca Camilo Castelo Branco. A Casa das Artes foi recebida com natural alegria pela população e ao longo dos anos tornou-se um espaço da comunidade famalicense.
Há 15 anos tínhamos um cenário mudança dos hábitos de procura de propostas culturais. Como vê o papel dos municípios na criação de equipamentos culturais, na sua gestão e depois como agentes promotores da oferta cultural nos seus territórios?
Temos debatido isso internamente, na altura em que estamos a preparar alguns projectos que vamos apresentar em breve. Não é um detalhe referir que há um trabalho ininterrupto na Casa das Artes nos últimos 15 anos – ao longo deste tempo todo, esteve em sistemática e permanente actividade. Todas as semanas esta casa tem actividade artística, tornou-se uma questão de identidade. Por outro lado, dez anos dá-me bagagem, além de alguma acutilância, na avaliação do que se passa no resto do país.
Relativamente à formação dos públicos, do ponto de vista político, não há acções nenhumas. Houve o Programa Operacional da Cultura [na altura do Quadro Comunitário de Apoio 2000-2006], muito focado para a reabilitação e construção física de espaços, mais do que para a formação de quadros técnicos, de planeamento, produção e programação. Tirando isso, não houve nada de concreto nestes domínios.
A manutenção daqueles equipamentos ditou que fossem criadas dinâmicas e fosse feito algum trabalho na promoção de acções para captação e formação de novos públicos. Em forma de provocação, gosto de dizer que o Quadrilátero é o sítio mais competitivo do país, ao nível cultural – pelas estruturas, pelas capacidades técnicas e por esta variedade de oferta.
Qual foi o primeiro espectáculo a esgotar a Casa das Artes?
Foram os espectáculos da Companhia Nacional de Bailado, com o Artur Pizarro, logo na abertura da Casa das Artes. Foram espectáculos de uma enorme dificuldade técnica, alguma inexperiência das pessoas que estavam a arrancar com o projecto, que acabaram por ser uns heróis ao trabalhar com a complexidade que uma estrutura nacional habitualmente carrega. Foi uma prova de fogo, logo na abertura.
Como foi programar ou dirigir antes de haver o Centro Cultural Vila Flor, o Theatro Circo e outros equipamentos?
Queria evitar dizer que era fácil, porque nunca é fácil. A programação hoje é difícil. Penso que o foi durante todo este tempo, mas hoje é claramente difícil. Hoje, existem públicos muito focados e uma grande heterogeneidade. As pessoas, antes, arriscavam e queriam perceber o que era aquilo que estávamos a propor. Hoje, arriscam menos. Não sinto o desprendimento, uma certa curiosidade que sentia existir há dez anos. Nessa altura, projectos mais arrojados esgotavam a sala com maior regularidade e com antecedência.
No início da Casa das Artes era relativamente mais fácil programar, era tudo novo, não havia tanta oferta e os públicos ainda se estavam a formar, os interesses ainda se misturavam muito. Os públicos de maioria são mais flutuantes que os públicos de minoria, que são mais fiéis, embora tenhamos que respeitar ambos. A nossa aposta é tentar juntar tudo e creio que temos conseguido isso.
Qual foi o impacto do aparecimento desses equipamentos, quer em termos de liberdade para programar, quer ao nível da captação e fidelização de públicos?
Com a abertura de novos equipamentos veio também a necessidade de reflectir de que forma o público se iria comportar. Esse conhecimento foi-se ganhando ao longo do tempo. As programações dos espaços, as suas orientações e as suas estratégias, foram-se clarificando e ajustando. Penso que é extraordinário existirem vários espaços. Pode ser mais desafiante programar, mas temos a mais valia de os públicos hoje se formarem em plataforma, com todos estes equipamentos a funcionar. Criou-se um circuito.
O Quadrilátero Cultural é um dos vértices mais visíveis da associação de municípios. Que virtualidades vê nesta forma de trabalhar em rede?
O Quadrilátero Cultural surgiu nesta comunhão de interesses dos quatro municípios, com formas muito próprias de encarar o seu território concelhio, relativamente ao seu desenvolvimento, a regeneração urbana, o aparecimento das indústrias criativas. Existem nestes concelhos equipamentos culturais com uma importância que vai além do Quadrilátero e até da região Norte.
Houve uma série de experiências que se fizeram, que hoje são processos consolidados, desde as co-produções, até a realidades como a Bilheteira Online ou o Cartão Quadrilátero Cultural – a partilha na utilização das mesmas plataformas aproximou muito as nossas estruturas, com benefícios claros para os nossos objectivos, sem abdicar da identidade própria de cada um dos equipamentos. A programação cultural em rede traz-nos coisas boas e o Vaudeville Rende-Vous é um exemplo disso – é uma forma mais eficaz de potenciar o território, de ganhar projecção e ganhar capacidade crítica.
Qual é modelo de gestão da Casa das Artes?
A Casa das Artes tem um modelo de gestão diferente dos seus parceiros do Quadrilátero Cultural – o Theatro Circo, o Centro Cultural Vila Flor e o Teatro Gil Vicente. A Casa das Artes não tem autonomia jurídica. Enquanto que os outros equipamentos têm uma direcção autónoma. A Casa das Artes é um espaço da Câmara Municipal, que não tem a independência jurídica que têm os outros equipamentos. Existe autonomia de programação, mas toda a área financeira é um processo que é feito com a Câmara Municipal. Por exemplo, o pagamento dos artistas é assinado pelo senhor presidente da Câmara.
Portanto, a Lei 52/2012, que regulava o sector empresarial das autarquias, não teve grandes impactos no funcionamento da Casa das Artes.
A esse nível não.
Como descreve o concelho de Vila Nova de Famalicão, em particular no que respeita aos agentes de promoção cultural?
Podemos fazer o exercício de ajustar o funcionamento do Quadrilátero da escala regional, para a escala do concelho de Vila Nova de Famalicão. Existem algumas identidades bem vincadas, que constituem centralidades, como é o caso de Joane que, a este nível, começou há mais tempo, com o Teatro Construção e a edificação do seu centro cultural. Aliás, têm um festival de teatro há muito tempo, que conseguiu alguma projecção.
Uma outra outra centralidade, com identidade forte, é Riba d’Ave, que tinha o Teatro Narciso de Miranda. Está a ser pensada a requalificação deste espaço, que passará pela sua recuperação. Tem um conjunto de dinâmicas, que estão a ser potenciadas em conjunto com as associações, aproveitando o que lá existe.
Na cidade há o espaço Cru, um espaço pequeno, que tem feito um esforço enorme em manter uma regularidade e está de parabéns pelo trabalho que tem desenvolvido. Quem me dera que existissem mais espaços como aquele na cidade.
Percebendo estas dinâmicas dos agentes nas freguesias e na cidade temos uma ideia a que chamamos Casa das Artes Envolvente – não é um grande slogan, mas que é o único que dá um sentido mais próximo do que quero. Esta ideia de envolvência é algo consentido e que permite não ter que ir aos locais definir o caminho dos agentes. É uma oportunidade que lhes abrimos, sem ser intrusivos nas formas como cada um desenvolve o seu trabalho. Existe em Famalicão um fenómeno muito interessante de teatro amador, que é algo fantástico. Há muitas companhias de teatro, algumas delas de grande qualidade e dinamismo.
De que forma se projecta o futuro da Casa das Artes?
No passado tivemos alguns festivais – entendidos como um acontecimento que tem um ponto alto, mas que é um trabalho de continuidade ao longo de um ano. Tivemos o Festival de Música de Câmara e o festival de cinema, que era o Famafest. Agora, dada a consolidação do trabalho da Casa das Artes de Famalicão, estamos a desenvolver, além da programação regular, eventos-âncora nas áreas do cinema, do teatro e da música. Algumas das ideias passam por aproveitar o próprio parque onde está localizada a Casa das Artes – o Parque de Sinçães.
Desejo que o futuro da Casa das Artes seja mais diversificado, mantendo esta regularidade que conseguimos consolidar e que passem a existir eventos com periodicidade anual, em diferentes alturas do ano.