No passado mês de Julho a RTP2 surpreendeu os cinéfilos portugueses com um inesperado ciclo de cinema dedicado a Paulo Rocha (1935-2012), uma das maiores figuras do cinema português. A cada sexta-feira, num horário decente (sessões com início às 23h05), foram transmitidos os “clássicos” Os Verdes Anos (1963) [recentemente exibido pelo Cineclube de Guimarães] e Mudar de Vida (1966), os menos conhecidos O Desejado ou as Montanhas da Lua (1987) e O Rio do Ouro (1998) e, em estreia absoluta em televisão, o filme-testamento de Rocha, intitulado Se eu fosse Ladrão… Roubava (2012). Para além de exibir os filmes, a RTP2 convidou ainda Isabel Ruth e Teresa Tavares para comentar as sessões.
Em Abril, no mesmo dia e horário, a RTP2 havia já estreado três filmes portugueses de produção recente, incluindo o premiado Yvone Kane (2014), de Margarida Cardoso [também recentemente exibido pelo Cineclube de Guimarães], e duas longas de dois jovens (Pecado Fatal, 2013, de Luís Diogo; O Primeiro Verão, 2014, de Adriano Mendes) e dois filmes dos já falecidos Manoel de Oliveira e Fernando Lopes.
No mesmo mês, mas às Quintas-feiras, numa rubrica intitulada “Tudo menos Hollywood”, a RTP2 exibiu um ciclo de cinema italiano com dois filmes de Nanni Moretti, um de Gianni Di Gregorio e outro de Ermanno Olmi. Este mês, essa interessante rubrica é dedicada ao recente cinema brasileiro, onde serão transmitidos filmes de Karim Ainouz, Paulo Halm [Histórias de amor duram apenas 90 minutos (2010), já exibido pelo Cineclube de Guimarães], Sérgio Bianchi, Chico Teixeira e Walter Carvalho.
Mais surpreendente foi o ciclo dedicado ao cineasta indiano Satyajit Ray (1921-1992), no mês de Maio, com quatro filmes que foram transmitidos pela primeira vez na história da televisão portuguesa: A Grande Cidade (1963) [também recentemente exibido pelo Cineclube de Guimarães], A Esposa Solitária (1964), O Cobarde (1965) e O Homem Sagrado (1963), devidamente apresentados e comentados por José Manuel Costa e Suzana Borges.
Serve este extenso rol como mote para elogiar a nova política de programação de cinema da RTP. De uma assentada, em poucos meses, a televisão pública parece ter compreendido a sua missão de serviço público que houvera esquecido durante os últimos anos, ao oferecer aos seus espectadores (sim, são poucos, mas já lá vamos) uma oferta cinematográfica diversa (em termos de geografia, cronologia ou estética) e que é cada vez mais rara no espaço público nacional. Bem sei que se trata do canal secundário da RTP, o que tem menor visibilidade mediática e menor audiência, mas é um passo importante para quebrar com a monotonia que se vem instalado nos últimos anos nas televisões de sinal aberto no que ao cinema diz respeito.
De facto, nas últimas décadas, com uma programação negligente e inconsciente, a televisão pública contribuiu de forma significativa para um afastamento do público português em relação ao cinema produzido no seu próprio país. A feroz “americanização” da programação de cinema na televisão em Portugal, ditada pela negociação em “pacote” para garantir os exclusivos dos principais blockbusters, não prejudicou apenas o cinema português, mas todas as cinematografias que não se expressam na língua inglesa. Décadas de “afunilamento” da oferta ditaram uma homogeneização do grande público e a uma fuga para o cabo ou para a Internet dos públicos que não se resignaram.
O panorama é generalizado, mas mais condenável na televisão pública. A falta de regulação por parte do Estado, por manifesta incompetência ou por “pressão” dos principais operadores fizeram-nos ficar irremediavelmente atrasados em relação a outros países europeus que defenderam e promoveram o cinema dos seus nativos como património cultural e artístico, valorizando-o como um importante contributo para reflectir sobre o passado e o presente, para agir social e politicamente.