“Uma festinha? Pequenina? Queridinha?” É assim que Hugo, o protagonista de Rapace (João Nicolau, 2006) reage a um convite da amiga Catarina para ir a uma festa com desconhecidos. O tom jocoso e corrosivo da provocação irritou a amiga, mas a festinha não anunciava mesmo nada de bom.
Anunciada pelos promotores como uma iniciativa para “celebrar o ato cultural e social de ir ao cinema”, a Festa do Cinema que decorreu nos últimos dias (16 a 18 de Maio) copia um modelo aplicado com sucesso em França e Espanha, oferecendo bilhetes a 2,5 Euros durante os dias do evento. Segundo dados oficiais do Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA), a primeira edição (11-13 de Maio de 2015) registou cerca de 200 mil espectadores.
Ao segundo ano, a Festa do Cinema continua a agourar pouco, ou quase nada, de bom. Bom, bom mesmo, só terá sido para as grandes cadeias de exibidores que assim vendem mais uns quantos quilos de pipocas e litros de refrigerante castanho. Vejamos:
1) a festa é agendada para o pior mês do ano (Maio) e para os dias mais mortos do ciclo semanal (de Segunda a Quarta-feira), quando os cinemas estão literalmente às moscas; como as estreias acontecem às Quintas, os filmes disponíveis são os que estão em sala desde a semana anterior.
2) fora da festa estão as sessões de filmes exibidos em 3D, sessões IMAX, sessões 4DX e eventos especiais.
3) nas supostas 500 salas que aderem ao evento, a maioria esmagadora são multiplexs e os pequenos exibidores estão na lista apenas para fazer número; a maioria esmagadora dos cineclubes, por exemplo, não aderiram à festa mas estão inventariados como aderentes, inclusive cineclubes que não tem sequer atividade (Cineclube da Beira Interior, por exemplo)
4) a festa só promove os cinema norte-americano das grandes distribuidoras; em 2015, os 4 filmes mais vistos na festa foram todos norte-americanos (Vingadores – A Era de Ultron; Velocidade Furiosa 7; Perseguição Escaldante e A Idade de Adaline) e somaram quase 125 mil espectadores, ou seja, mais de 60 por cento dos espectadores.
Enquanto se entretém o povo com pão e circo, não se resolvem os problemas estruturais do cinema em Portugal:
1) em 207 dos 308 concelhos do país não existe um único recinto de cinema!
2) a quota de mercado dos 5 principais exibidores é de 92,7%!
3) nos últimos 5 anos, a quota de mercado para o cinema português registou uma média de 4,14%! (mesmo inflacionado pelo sucesso do novo recordista O Pátio das Cantigas, com 606 mil espectadores)
Festa, mas festa a sério, só conheço a Festa do Avante! Não há festa como essa!