Subitamente, o país parece chocado com a notícia do encerramento do Teatro da Cornucópia. Dos textos de pesar publicados na imprensa e nas redes sociais até petições, todos elogiam o passado desta companhia de teatro e reprovam as condições que levaram a este desfecho. Lembro-me de semelhante choque ainda há pouco tempo, quando o histórico Cinema Londres, em Lisboa, encerrou para se transformar numa “loja dos 300”. A indignação foi idêntica, mas, então como hoje, o choque só pode surpreender os mais distraídos.
Em 2015, segundo dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística, em Portugal realizaram-se perto de 12 mil espectáculos teatrais (número que variam entre 10.939 e 12.723 desde 2004) e um total de espectadores de 1 milhão e 882 mil (número que varia entre 1 milhão e 460 mil e 1 milhão 850 mil desde 2004). A média de espectadores é de 181,7 espectadores por cada 1.000 habitantes. Ainda que modestos, estes números são bem mais optimistas do que a série negra que marcou os anos 1984-1999, com médias de espectadores a variar entre os 19,3 (1993) e os 54,7 (1984) por mil habitantes. Em rigor, os números de 2015 são mesmo os melhores desde 1960, exceptuando os anos de 1970-78 (não há registos deste período).
Um dos fenómenos que tem contribuído para a recuperação de público de teatro tem sido a realização de grandes eventos culturais, numa lógica festivaleira que atrai o público pontualmente e não o fideliza. Assim, apesar do aumento considerável de público na última década, o circuito teatral continua sem poder subsistir apenas com o dinheiro da bilheteira (que em 2015 se estima próximo dos 9 milhões de euros).
No entanto, o que mais contribuiu para o crescimento do público teatral foi o aumento significativo dos apoios públicos, sobretudo por parte do poder municipal. Segundo o Observatório das Actividades Culturais, entre 1986 e 2001, o investimento dos municípios em Cultura aumentou 600%, mas a maior parte desse investimento está relacionado com custos correntes de manutenção de equipamentos e estruturas. Em relação às artes cénicas, o montante de investimento era inferior a 5%.
Posto isto, deixo aqui algumas interrogações: será que a solução para a “crise” do teatro português passa por medidas excepcionais, como sugeriu o próprio Presidente da República ainda ontem, ou antes por uma mudança radical na política pública de apoio às artes, teatro incluído? Será que a solução que o teatro português precisa passa por medidas excepcionais imediatas ou por uma política de longo prazo que passaria sobretudo pela promoção da prática de teatro amador (em contexto escolar e associativo), pela formação do público (através da televisão pública, da escola, do movimento associativo) e pela fidelização do já existente (criar regularidade que complemente os grande eventos pontuais)? Será que a solução passa por uma política de “caridade” que promove a precariedade do sector ou pelo reconhecimento do teatro enquanto uma prática cultural e artística de interesse público ou mesmo serviço público, justificando um investimento público capaz de garantir a sua viabilidade e o acesso democrático das populações de diversas geografias (porque não há teatros nacionais fora de Lisboa e do Porto?) e condições sócio-económicas?
Para ajudar a reflectir sobre algumas destas questões, reproduzo o artigo 78.º da Constituição Portuguesa, intitulado “Fruição e criação cultural”:
- Todos têm direito à fruição e criação cultural, bem como o dever de preservar, defender e valorizar o património cultural.
- Incumbe ao Estado, em colaboração com todos os agentes culturais:
a) Incentivar e assegurar o acesso de todos os cidadãos aos meios e instrumentos de acção cultural, bem como corrigir as assimetrias existentes no país em tal domínio;
b) Apoiar as iniciativas que estimulem a criação individual e coletiva, nas suas múltiplas formas e expressões, e uma maior circulação das obras e dos bens culturais de qualidade;
c) Promover a salvaguarda e a valorização do património cultural, tornando-o elemento vivificador da identidade cultural comum;
d) Desenvolver as relações culturais com todos os povos, especialmente os de língua portuguesa, e assegurar a defesa e a promoção da cultura portuguesa no estrangeiro;
e) Articular a política cultural e as demais políticas sectoriais.