O maior espetáculo do mundo

Certo dia, ia eu à boleia da minha supervisora, a caminho de uma conferência do outro lado da cidade, quando ela me pergunta:

– Então, o que acham os europeus de toda esta história do Donald Trump?

Apanhado de surpresa, perguntei:

– Qual história?

– Ele. Donald Trump. Ele é a história. E uma sem grande piada…

De facto, Donald Trump é uma história quase surreal. Uma piada de mau gosto. Um circo.

***

A entrada da tenda é fechada ao ruído que vem da rua. As luzes apagam-se e deixam a plateia na escuridão, num entusiasmo nervoso. Os media, qual batalhão de repórteres em tfúria, empunham com destreza as câmaras e os micros: todos os olhos e todas as lentes estão voltados para a estrela vermelha no centro do palco. Sentem-se tremores de antecipação e, no ar, suspende-se um silêncio ansioso…

Todos tremem com antecipação…

E eis que ele entra em cena! Finalmente! Eia!, eia! Ele, o único, o incrível, o representante de toda a imbecilidade: Trump, o Bobo. A música berra gritos de entusiasmo.  O Bobo, qual palhaço bem treinado e conhecedor do espetáculo, começa a tocar trompete enquanto descarrega partidas mirabolantes: são cambalhotas, malabarismos, ilusões e esguichos de água. A multidão é levada ao rubro e aplaude em fúria, quase em histeria. Em torno de Trump há cores, música, confetti e fogo-de-artifício. Trump, o Bobo, chegou. Eis que começa o maior espetáculo do mundo.

***

Entre outras coisas, Trump veio mostrar, não só nos EUA mas ao resto do mundo que, em certa medida, a expressão “o povo gosta de pão e circo” ainda pode ser aplicada aos tempos modernos: Trump associa na mesma pessoa um bobo que promete pão. Não se podia esperar mais.

Voltando ao início, à questão da minha chefe respondi: “ Com apreensão”, o que me parece ser o estado de espírito mais recomendável em relação a um futuro, já não tão hipotético, em que Donald Trump é Presidente dos EUA. Pressinto que, pelo que leio nos principais jornais nacionais e pelo que ouço a amigos e familiares, o sentimento de apreensão não é exclusivamente meu. Esta será outra lição a tirar sobre a candidatura de Trump: ter medo de palhaços é algo universal e, neste caso, uma reação adequada.

Não ajuizemos mal sobre o eleitorado americano. Não sejamos arrogantes ao supor que só nos Estados Unidos – um país enorme não só na extensão geográfica mas também, e sobretudo, na expressão cultural e social – se vê uma figura destas, de cabelo loiro-queimado tipo capachinho e boca em bico-de-pato, chegar tão longe. Também na Europa temos uma boa trupe de palhaços alegres (pensemos em Berlusconi e Beppe Grillo: um realizou-se como político executivo, o outro como político popular). Claro, também teremos os nossos próprios entertainers políticos em Portugal.

O problema com Donald Trump é que, estranha mas inexoravelmente, ele vai avançando. E isto causa perplexidade nos próprios americanos: o partido republicano parece ter criado este monstro do género Frankenstein, que anda agora à solta para terror dos próprios republicanos e dos demais cidadãos americanos que não se reconhecem nas políticas (ou falta delas) de Trump. Mas, ao contrário do pobre monstro de Frankenstein, Donald Trump não vai lá nem com archotes e forquilhas.

Trump era divertido no início da corrida: dizia uns disparates, deixava cair um ou outro comentário mais ou menos racista (para consolo do nosso desejo íntimo de indignação contra discriminações raciais) e punha umas poses esquisitas. Ah! Atrevo-me a definir aqui a pose política de Donald Trump como a “pose bico-de-pato”. Porém, quando a campanha eleitoral começou, Trump era espetáculo e entretenimento porque ninguém acreditava que ele, Trump, o Bobo, pudesse acontecer um dia. Trump era só visto como um excêntrico com os dias contados.

Mas que temos nós que ver com tudo isto? Nós, que encolhidos debaixo da sombra europeia, não temos poder eleitoral num país estrangeiro?

Pensemos. No início da época eleitoral, Trump era o Bobo: um bom espetáculo motivador de conversas sem compromisso sobre problemas internos e externos dos EUA. Agora, Trump, o Bobo transforma-se lentamente em Donald Trump, o Não-Tão-Impossível-Vencedor. E mesmo que Trump não venha a ser Presidente, há pelo menos uma ideia importante que devemos reter sobre a sua campanha: Trump, enquanto sintoma político, mostrou que é fácil deixarmo-nos enganar pelo nosso sentido de pudicícia política: nunca devemos pensar que um palhaço político, por muito ridículo que seja, é inofensivo: ainda que Trump se torne absolutamente moderado ou não vença as eleições, ele ajudou a revelar uma apatia grave sobre o funcionamento social moderno, em que bizarrias políticas são vistas como um bom espetáculo mediático e não necessariamente como algo sério a considerar. De certa forma, isto talvez revele um desligar da população em relação às questões políticas do seu tempo.

***

E o espetáculo continua. O bobo não se cansa: agora equilibra na cabeça quatro elefantes brancos e uma amazona, tudo enquanto rodopia em cima de um monociclo. Há leões que rugem, tigres que saltam por arcos em chamas e coelhos que pulam da cartola do mágico. Os malabaristas criam ilusões de espantar e os acrobatas saltam do teto. A plateia aplaude e bate palmas. Os fotógrafos esgotam as suas lentes. As crianças riem. As televisões enchem satélites. A banda toca. Os sentidos preenchem-se. Os tambores rebentam as peles. O mundo vibra. O domador grita. Há um enorme estrondo. Acontece! A tenda desaba…

Silêncio. A plateia já não ri.

O espetáculo continua