O Limbo

Mapa de procura de emprego – Porto

Mapa de procura de emprego – Porto

Significado de trabalho: do latim tripaliu; é a denominação de instrumento de tortura formado por três (tri) paus (paliu), que era usado para os cavalos que não se deixavam ferrar. Dessa forma, na sua origem, trabalhar significa ser torturado. 

Escrevo para o Ócio pela primeira vez e sendo a minha crónica de tema livre não poderia deixar de dar a conhecer os meus primeiros pensamentos nesta plataforma servindo-me do conceito que lhe dá nome – ócio – e aquilo que mais se relaciona com ele, o não ócio, portanto, o trabalho.

Pareceu-me este assunto pertinente não só pelo nome e motivo da plataforma mas porque de facto é algo que tem sido constante nas minhas reflexões e questões existenciais nos últimos tempos. Trabalhar. Porque raio afinal trabalhamos nós? Para vos enquadrar, sou novo cá, 26 anos de vida, pouquíssimos de labuta, abundantes de ócio – mas alto, não se enganem a meu respeito, sou apaixonado pelo que me motiva, um louco – verão mais à frente. Estudei, como lhe chamaria o meu pai, um dos cursos clássicos – arquitectura, visto antigamente, pelo que me soa, como um curso e profissão nobre e agora, cada vez mais, desencadeando faces contraídas e onomatopeias pregueadas, aquando da resposta a: o que é que fazes da vida?

Preferia não aprofundar muito o meu descontentamento e protesto contra a falta de emprego jovem e assuntos que o relacionam, pelo menos da forma que já me cansa saber.

Gostaria antes de introduzir um tema que me suscita muitas questões e que receio ser o problema e a solução desta reflexão. Refiro-me a um período espácio-temporal: chamo a este período O Limbo.

O Limbo é um período de vida ou não vida porque na verdade não se existe, nem para as finanças (1). No Limbo as árvores frutos não dão nem caducas são, o sol brilha mas ataca a vista proporcionando aos olhos semicerrados um desconforto que faz rugas, os amigos são só colegas e os actos apenas recordados amanhã. O Limbo é um período no espaço e no tempo perdido entre o céu e o inferno, entre o primeiro e o último ano, que não deixa viver; talvez sobreviver.

Muitos, tal como eu, aproveitam tal momento, tentando-lhe dar sentido, viajando, fazendo voluntariado (muito, que é bom para o curriculum) ou estando mais tempo com os avós, mas sendo sempre miudinhos nervosos.

No Limbo nem se trabalha nem se aquece porque uma entidade superior lá do Além força a busca de emprego. Mas está mesmo foda como a Bossa Nova para o encontrar, então curte-se; mas não se pode; atenção, dá náuseas apenas quando se tenta, então volta-se à procura mas continua a não haver… “Passo a explicar: estamos desempregados (alguns de nós, outros entram às 9 e saem às 29, certas vezes por 500, outras vezes a zeros – ah, é para o curriculum), procuramos trabalho mas não há, continuamos à procura e continua a não haver. Temos tempo e pensamos em dedicá-lo (…)” ao Ócio “(…) Hey, mas isso é secundário, primeiro temos que arranjar trabalho, então continuamos à procura mas continua a não haver.” 1

Isto é o Limbo: o período da vida em que devíamos ser felizes mas não somos. Mas talvez devêssemos. Assim, o tripaliu talvez passasse a ser um instrumento ocioso.

A verdade é que o grande problema do Limbo é a pressão que o Além nos põe em cima das costas. Já não nos falta o mortífero vírus da crise que infecta tudo o que toca e ainda temos que lidar com espiritismos?

Devia ter-se uma outra ideia sobre este período – e estou a tentar ser positivo! Investir por paixão nas nossas paixões, não porque nos dizem: “aceita que é melhor que estar parado”.

O Limbo deveria ser aquele momento que não tivemos se não tivéssemos o que temos agora, mas temo-lo, por isso temos que o aproveitar.

 

(1) Este ano, aos meus pais que forçosamente me vão sustentando quando me encontro à Orla, não lhes foi permitido colocar as despesas que têm comigo no IRS porque já tenho 26 anos. Parece que para o nosso governo eu já deveria ter juízo, trabalho, casado e com filhos e não andar a gastar o dinheiro dos meus pobres pais. Ai ai ai, o que ando eu a fazer… – Vai mas é trabalhar mandrião.

 

1 CAPA, Tomé, Plica #5, 2015