Cidadania

As ideias são ou não o que move o mundo? São ou não o motor de construção e mudança da história? Platão não tinha dúvidas sobre a grandeza, sobre essência e perfeição das ideias, e via nelas a eterna e imutável realidade — a ideia, enquanto origem das coisas materiais, essas, sim, mutáveis e imperfeitas. Essa abordagem filosófica reforça uma outra sobre a força das ideias, que reside na dificuldade em imaginar que um dia pensaremos de forma diferente ao que concebemos no presente, ou que a realidade à nossa volta possa ser radicalmente alterada. Porque é essa nova ideia, a base da mudança no mundo do concreto. E quando a mudança é um devir de transformação social por uma sociedade perfeita, a isso chamamos utopia.

Thomas More inventou o conceito de utopia na crítica que fez à corrupção e decadência social e institucional na Inglaterra do séc. XVI. Em alternativa, imaginou uma sociedade organizada em torno da equidade, da igualdade, paz e justiça, governada em prol do bem comum, para o qual todos trabalham — chame-se a Utopia uma primeira proposta de modelo socialista.

Imagem: “Isola_di_Utopia_Moro”, ilha de Utopia. Gravura incluída na primeira edição do livro de Thomas More, Utopia, 1516. Domínio público.

Imagem: “Isola_di_Utopia_Moro”, ilha de Utopia. Gravura incluída na primeira edição do livro de Thomas More, Utopia, 1516. Domínio público.

Utopia, esse “não-lugar” perfeito (do grego u de negação e topos de lugar), parece uma impossibilidade. Mas utopias, a meu ver, não são, necessariamente, impossibilidades. São antes, ideias que estão além do que nos é possível imaginar, aceitar ou acreditar, porque rompem com o mundo que nos é familiar e os seus lugares comuns. Num sentido político da palavra — e por sentido político entenda-se a orientação moral, juízos, atitudes e escolhas, em prol de uma organização social, sendo que tudo, na vida humana, é social e eminentemente política — utopia poderá ser a ideia de sociedade democrática, onde todos podemos ser o que desejamos sem prejuízo do próximo nem do planeta, e para a qual todos contribuímos positivamente.

Os jovens são craques em desafiar a realidade — as ideias e o mundo concreto em que vivem —, debatendo-se com preconcepções sobre o que os rodeia e define, descobrindo as suas próprias, sonhando o que querem ser, projetando o mundo em que querem viver, curiosos por conhecer os mundos dos seus pares. São, por isso, muitas vezes, apelidados de idealistas — qualidade de quem tem muitas ideias — e utópicos — na medida em que as suas ideias vão além do convencional e instituído.

Para mim são as utopias de um mundo melhor, de uma societas amistosa de indivíduos que se sabem relacionar e construir em prol de um bem comum e que disputam a corrida do que ficará para a história — que privilégio vivermos em democracia (com todas as suas imperfeições de uma ideia que se traduz no mundo do concreto) e podermos fazer parte desse devir. Todavia, num momento dessa história, em que o comum cidadão parece ter um nível de formação mais elevado do que nunca, com mais acesso a cada vez mais informação; parece possuir mais competências, e estar no centro de uma permanente conectividade civilizacional, com impactos nas diversas dimensões humanas, afetivas, profissionais, políticas, entre outras; dizia eu que, todavia, o idealista utópico aparenta viver distante das decisões políticas da sua cidade, sem se sentir convocado para as discutir enquanto protagonista na construção da civilização.

Se assim é ou não, como e porquê ou porque não, é algo que merece a minha atenção. Não necessariamente de um modo filosófico, mas precisamente pragmático — embora talvez, também, poético. E por isso me proponho a procurar e partilhar as ideias e caminhos políticos que já vão avizinhando uma utopia ou um futuro por imaginar, e partilhar o futuro que já é presente, aqui ou algures pelo mundo fora, onde todos somos cidadãos.