Hoje duvida-se de muita coisa: da integridade e da motivação dos políticos, da imparcialidade e qualidade dos media, da legitimidade e eficácia democrática, da competência dos cidadãos. Não é, por isso, de estranhar – e porque, antes de nos definirmos pelo trabalho que realizamos, uma profissão ou a missão que assumimos na sociedade, somos primeiro cidadãos – que a bandeira da educação para a cidadania se volte a hastear, na esperança de incutir sentido de exigência, cultura crítica, consciência coletiva e aptidões a quem possa edificar o futuro com o seu voto informado ou a sua ação refletida (resolvendo, por consequência, as questões de ética e deontológicas inerentes a todas as profissões, as quais nem sempre se apresentam com a evidência necessária nas respetivas formações).
Para começar, o desejo de formar cidadãos não é exclusivo de um tempo nem de uma visão, mais à direita ou mais à esquerda do espectro político, do ditador ou do/a democrata. Em cada utopia de sociedade cabe uma visão de cidadania e cada sistema persegue-a de forma própria, quer seja explícita ou implicitamente, nos valores que preconiza, nas liberdades que valoriza, nas ações educativas e de participação política que institui, no desenvolvimento pessoal e coletivo que promove, na distribuição de riqueza que faz, na inclusão ou segregação que concretiza entre os seus concidadãos.
Então o que define o cidadão – o do presente, que já o é, e o do futuro, que se idealiza? E quais as paisagens humanas e geográficas que temos por horizonte? E como as edificar? E quem tem legitimidade para formar a/o cidadã/o, induzi-la/o, seduzi-la/o, estimulá-la/o, realizá-la/o, desafiá-la/o… concretizá-la/o?
Essa concretização não é tarefa exclusiva da escola, mas ela (escola) tem um peso inegável no processo e no propósito – pela ação, o que faz e como o faz e/ou sua negação. É nesse contexto – a escola – que, mais do que em qualquer outro lugar, a sociedade existe e é real. É o laboratório da construção de identidades – a individual e a coletiva – e de pensamento, modos de produção, ação e interação… Nela – e só nela – se cruzam vidas com percursos distintos e origens diversas – sociais, económicas, culturais –, mas também nela se experimentam as emoções e vivências que todos partilhamos e que nos formam enquanto seres humanos: as paixões, os medos, as rebeliões, os sonhos, as descobertas, a indiferença… No limite, é na escola que aprendemos a ser e a ser sociedade, para depois dela (escola) divergir em caminhos restritos.
Esta visão da escola como amostra transversal da sociedade, seu projeto e produto, argumenta a importância de um qualitativo e exclusivo sistema de ensino público – não só pelo conhecimento, competências e literacias que nos proporciona, mas, acima de tudo, pela única e valiosa oportunidade de alicerçar a sociedade do futuro em valores de equidade, liberdade e empatia.
Seja por isso bem-vinda a (contínua) discussão e procura da escola do futuro, mas abordemos a questão, não pela definição do perfil do aluno do séc XXI, mas do perfil de cidadão e de como é que ele pode realizar o séc XXI! Nesta reflexão, devemos ter em mente que a emancipação do cidadão não deve acontecer apenas ao nível da sua formação. De que vale a pena ser um cidadão com ideias, crítico e motivado a participar nas decisões políticas de construção da sociedade, mas não o pode fazer além de um voto de 4 em 4 anos?
Nota: quem sentir que tem contributos que merecem ser partilhados, ainda o pode fazer até ao próximo dia 13 de março, através da consulta da Direção Geral da Educação sobre qual deve ser o perfil do aluno do séc XXI.