Depois de já vos ter dito onde estão as melhores moelas do mundo, dir-vos-ei de seguida onde estão os melhores caracóis do mundo.
Acontece que, se eu começar por dizer que estão em Ponte de Lima, a maioria dos leitores dirá que estou completamente doido, pois toda a gente sabe que os melhores caracóis do mundo se encontram algures pelo sul, no espaço que medeia o Tejo e o Reyno dos Algarves. Pois, mas o que nem toda a gente sabe é que este vosso mui modesto crítico tem quase oito anos de vida passados nas cálidas terras meridionais de Santa Maria de Faro, além de um irmão que reside há muitos anos no Alentejo. Por isso, caríssimos, é com toda a propriedade que o afirmo: os melhores caracóis que comi até hoje foram os da D. Elisabete, no café Beira-Rio, na bela e antiga aldeia limiana de Estorãos.
O segredo até parece simples, mas mão acertada no tempero e caracóis frescos não há por aí aos pontapés, muito menos a norte: «Às vezes, as pessoas até ficam indignadas, porque chegam aqui e não há caracóis. Eu farto-me de lhes dizer que não vendo fora da época, mas eles respondem: “Ah, e tal, podias comprar dos congelados que era a mesma coisa!”. Nem pensar! Os caracóis tenho de comprá-los vivos, senão não os fazemos.», garante-nos o Sr. Vítor, marido da D. Elisabete.
A história do Beira Rio começa em 1983, quando o pai de D. Elisabete abriu uma pequena mercearia sem nome. «Era conhecida apenas como a “Venda do Araújo”, as pessoas vinham aqui buscar o essencial. Em 96 é que decidimos renovar e fazer o café. Ainda mantivemos alguns produtos básicos, mas, com o passar do tempo, fomos ficando mais como café do que como mercearia.»
O café foi bem baptizado: sobre a vista que se estende à nossa frente temos: um rio (pois claro!), o Estorãos; uma ponte (esta sim, romana!), construída no tempo do imperador César Augusto, onde ainda conseguimos observar algum aparelhamento granítico em QVADRATVM; uma azenha que aparenta ser do séc. XVIII; campos férteis e vinha em volta. Se vos disser que podemos observar tudo isto sem sair da sombra de um velho castanheiro, vejam bem o privilégio que é estar neste espaço! Mesmo encostada por trás de nós, está a velha igreja paroquial, que, para os mais entusiastas destas coisas, apresenta um singelo portal de inícios do século XVI de feição arcaizante. Vou resistir ao defeito profissional de o explicar aqui, mas tudo isto, para mim, é o Alto Minho no seu máximo esplendor!…
Acompanhem estas vistas e os caracóis com a já célebre cerveja servida em canecas geladas, ao modo bávaro. O Sr. Vítor Vila Verde, 48 anos, conta-nos como chegou esta tradição ao Beira Rio: «Isso não foi mesmo nada de especial. Um dia chegou aqui um vendedor de cerveja e eu comprei-lhe seis canecas. Achei aquilo interessante, servi uns clientes e, a partir daí, ficámos com a fama. Ainda hoje não percebo como aconteceu…» Com um sorriso, acrescenta que «o que é importante é servirmos bem o cliente e tentar apresentar produtos diferentes.» Referindo-nos, por momentos, a outras tascas famosas na região, remata o Sr. Vítor: «Se um servir boas moelas, o outro um excelente champarrião e eu servir os melhores caracóis, cada um tem o seu produto único e ficamos todos a ganhar.»
A D. Elisabete Araújo, 45 anos, por sua vez, conta-nos como chegaram os caracóis a Estorãos: «Um dia, o meu irmão trouxe-me uns quantos do sul e eu servi. Desapareceram num instante e os clientes pediram mais! A partir daí o meu irmão passou a enviá-los por encomenda, ou trazia sempre que vinha cá acima, e eu ia servindo; mas, a dada altura, começaram a ser tantos os pedidos que tivemos de arranjar um fornecedor sério.»
Enquanto vamos falando, a D. Elisabete vai elencando também as outras especialidades que cozinha: as asinhas de frango com pickles — tão gulosas que, juro, acabei por trincar um dedo! —; o pica-pau, também célebre; e ainda «coisas simples» como moelas, bolinhos, rissóis, pregos, etc.
Já estava quase a sair quando a conversa foi parar à família e aos conhecimentos cruzados que nós, os alto-minhotos, temos por norma mencionar quase como um salvo-conduto. Acabamos sempre por conhecer alguém amigo do amigo, um primo casado com uma vizinha, um sujeito da nossa aldeia que andou na tropa com um cunhado qualquer… É por isso que nos sentimos em casa todas as vezes que entramos numa tasca entre Viana e Ponte de Lima.
E foi mesmo ao despedir-me, na soleira da porta, que me virei para trás e perguntei em voz alta à D. Elisabete onde diacho tinha ela aprendido a cozinhar caracóis daquela maneira! «Eu vivi cerca de três anos em Almada, onde fui recolhendo alguns segredos…»
«Ah!», pensei enquanto saía, «talvez isto, afinal, até tenha qualquer coisa a ver com o sul de Portugal, que tantas saudades me traz…»