Onde é que estão as melhores moelas do mundo?

Ninguém trata tão bem as moelas como a esposa do Sr. Noé Silva, em Santa Marta de Portuzelo, Viana do Castelo. Tal como a Francesinha, este é um daqueles pratos que necessitam de mais qualquer coisa do que simplesmente serem cozinhados — precisam de mão que os dome.  Acontece é que, quem entra pela única porta da velha casa à face da estrada, verá muito rapidamente que não são só as moelas que têm presença neste espaço carismático. Qualquer petisco regional está à disposição do freguês e a sua proveniência é de produtores locais que os preparam com esmero e ao gosto das gentes da Ribeira-Lima. A mão-de-vaca, o chispe, o coelho “à fugitivo”, a sopa “à lavrador” e as tripas “à Mena” são qualquer coisa que envergonharia Marie-Antoine Carême.

Há, contudo, algo único que preenche este espaço especial e que é imediatamente percebido tanto pelos clientes novos como pelos habituais: a simpatia do Sr. Necas. Uma das vantagens de vermos os anos correrem é que começamos a apreciar cada vez mais aqueles sítios onde podemos existir, por um bocadinho que seja, livres do que se passa no mundo. Esses lugares mudam connosco, mas devagarinho, como convém. Ainda conheci o tempo feliz em que a famigerada A.S.A.E. não era preocupação para ninguém, onde as tascas podiam assar com bagaço trazido de casa no garrafão de plástico um chouriço comprado no vizinho do lado. Como sabemos, estas novas regulamentações foram, a par de outros quinhentos, uma das razões que levaram ao encerramento de muitas das tascas antigas que pontilhavam toda a nossa região. Poucas foram as que se adaptaram aos novos tempos sem perderem a ligação ao passado, e poucos foram os produtores que conseguiram reanimar o seu saber de séculos e impor-se face às novas imposições legais. O Sr. Nóe Silva fê-lo com toda a perfeição e, na sua sageza — que, aliás, é constantemente visível na forma como nos encara —, soube manter bem vivo o espírito da mercearia que havia sido do seu avô.

Desde a adolescência tardia que este é o meu lugar de eleição para conversar com amigos ou familiares sempre que estou pela minha terra-natal. Na verdade, ali somos todos amigos uns dos outros, mesmo daqueles que se sentam nas mesas opostas e que vão sorrindo na nossa direcção pelo simples facto de determos o conhecimento de ali chegar. É como se eles, naqueles sorrisos ou acenos de cabeça aos que entram, dissessem: «Se vieste até aqui, sabes o que cá está, por isso és digno da minha amizade.»

Necas das Moelas

Senta-te nesta mesa e, se trouxeres amigos, porreiro! Se não trouxeres, olha para o lado ou chama o Necas. Agora, se não te despachares, as iguarias naquele quadro começam a ser apagadas uma a uma e, daqui a pouco, não comes é nada. Moelas, no entanto, há sempre. Garantia da casa.

Já me dei por várias vezes perdido por entre um livro, ou conversando com alguém, a ver em cortejo, diante de mim, gerações inteiras em busca de sabores únicos — desde o pirralho da escola que lá vai às sandes de moelas no intervalo do recreio, ao velho trôpego que apenas quer recuperar a energia com uma “maurguinha” de tinto. E em verdade vos digo: cairá um novo asteróide da extinção antes do dia em que faltar bom “binho” na Tasca do Necas!

Esta é uma lição sobre aprendizagem e sobre como os saberes genuínos de pouco precisam para passar dos mais velhos para os mais novos: basta terem carácter. Eu começei assim, um pouco mais velho que o puto, a lá ir depois das aulas do secundário; mas garanto-vos que quero acabar como o velho, encostado àquele balcão. E se com a cardina, aí por volta de 2067, encontrar o meu final na proa de um qualquer carro eléctrico sem condutor que venha a abrir pela N202 em direcção a Lanheses, terei cumprido o meu destino.

Da próxima vez que estiverem por terras de Viana, vão a Santa Marta de Portuzelo, mas de mansinho, em busca das moelas. Façam-me é um favor: contem apenas aos amigos que valem a pena. É que ali, por terras do Lima, nós só costumamos travar amizade com quem realmente aprecia o que os nossos avós deixaram de herança aos nossos agradecidos palatos.

Necas das Moelas

Este já está quase. E o pãozinho está quente e tudo! Fiquem aí a olhar, fiquem!…