Um pequeno (e extraordinário) objecto

Museu da Existência (Direitos Reservados)

Museu da Existência (Direitos Reservados)

De que são feitos os museus? De objectos. E o que fazem esses objectos? Contam histórias. E. em lugar da história de uma corrente artística ou de uma cidade, um museu pode contar a história de um amor? Pode, claro. “Museu da existência” conta uma história de um amor, passada em Istambul. Mas conta também histórias mais ou menos felizes de pessoas reais, anónimas, a partir de objectos que elas próprias ofereceram.

A base desta criação, que se apresenta em Guimarães na sexta-feira, no âmbito dos Festivais Gil Vicente (às 18h30 e 21h30, na Plataforma das Artes e da Criatividade), é um livro. “Museu da Inocência” é uma obra do Nobel da Literatura Orham Pamuk sobre o museu com o mesmo nome que Kemal criou para guardar as memórias de Füsun, a mulher que amou e perdeu. Para isso, foi recolhendo objectos que associava à amada, desde pequenos bibelots, a chávenas ou brincos. E com isso fez um museu, onde pode contar a história daquele amor.

É a partir deste dispositivo que a Amarelo Silvestre, uma estrutura sediada em Canas de Senhorim, cria “Museu da Existência”, onde se conta também a história de Kemal e  Füsun, mas também aquelas que as pessoas com quem a equipa criativa deste espetáculo – dirigido por Fernando Giestas e Rafaela Santos – se vem cruzando estiveram dispostas a partilhar.

Antes de cada apresentação do espetáculo, a companhia percorre as localidades, fazendo uma pequena performance de introdução à criação. No final, os participantes são convidados a partilharem as suas histórias e a cederem um objectco, que passará a fazer parte deste museu. Na última semana, a Amarelo Silvestre visitou cinco casas em Guimarães à procura destes objectos e destas memórias. E agora as histórias dos vimaranenses vão estar ao lado da de Kemal, mas também de outras anteriormente recolhidas em Ovar, em Viseu ou em Canas de Senhorim.

A Amarelo Silvestre faz esta abordagem com um cuidado delicado, como quem manuseia uma valiosa peça de museu. Essa sensibilidade confere uma beleza particular ao espetáculo e permite estabelecer uma relação mais directa – realmente horizontal — entre o espectador e a obra artística. O facto de ser apresentado para lotações reduzidas (no máximo 30 pessoas), acentua essa dimensão quase doméstica de uma peca que, sendo pequena, é extraordinária. Num contexto de festival, onde maioritariamente são destacadas as peças de grande formato, a partir de textos canónicos, poder assistir a um exercício dramatúrgico desta ternura e precisão é um privilégio.

Antes de “Museu da Existência”, os Festivais Gil Vicente propõem uma leitura de Nuno M Cardoso a um díptico dois textos do dramaturgo britânico Simon Stephens, “Águas Profundas” e “Terminal de Aeroporto”, que são apresentadas como uma única peça. De resto, “Terminal de Aeroporto”, um monólogo aqui interpretado por Rita Brutt, foi originalmente escrito para ser integrado em “Águas profundas”, mas acabou por ter uma existência independente. O espetáculo está agendado para quinta-feira, dia 9, Grande Auditório do Centro Cultural Vila Flor (CCVF). Em palco estão actores conhecidos do grande público como Maria João Luís, Albano Jerónimo ou António Durães.

O encerramento do certamente está marcado para sábado (Grande Auditório do CCVF, 21h30), com a única proposta internacional do programa. Os belgas tg STAN regressam a Guimarães, onde apresentaram, há dois anos, “Traiçoes”, a partir do texto de Harold Pinter. Desta feira, a companhia de Jolente de Keersmaecker apresenta a sua versão de um texto clássico, “O Cerejal”, a última peça escrita pelo dramaturgo russo Anton Tchekov.

Na peça, a família de Liubov está em crise e terá que vender a sua propriedade, para manter o nível de vida. Mas não foi isto que interessou à companhia belga, antes uma ideia que subjaz a essa principal tensão do texto, de que tudo tem que ser reduzido ao seu valor monetário. E assim se constrói este espetáculo, sempre à volta de uma peça controversa, desde logo por não haver unanimidade sobre se se trata de um drama ou de uma comédia. É talvez essa aparente dissonância que permite a um texto clássico prestar-se desta forma a uma leitura contemporânea.