Tao Dance Theater: linha contínua

Créditos fotográficos © Darshan Manakkal

Créditos fotográficos © Darshan Manakkal

No Dia Internacional da Dança, assinalado a 29 de Abril, a companhia Tao Dance Theatre mostrou no Theatro Circo as coreografias 4 e 5. O bailarino e o coreógrafo chinês Tao Ye fundou a companhia em 2008 e seu trabalho tem colhido reacções diversas um pouco por todo o mundo, por onde a companhia tem passado.

A Tao Dance Theatre apresenta uma linguagem que se pode comparar à da poesia. As palavras fluem sem a necessidade de uma narrativa eminentemente descritiva. A imagética utilizada por Tao Ye sublinha o essencial que podemos encontrar num espectáculo performativo, repetindo o padrão ao limite, explorando uma tensão que distrai o olhar dos pormenores.

Ao longo das duas peças, não há movimentos que se repitam. Há, sim, um padrão que explora o despojamento de argumentos, de cores e cambiantes sonoras. Os próprios títulos dados às peças inibem qualquer interpretação apressada sobre um possível significado da coreografia. No entanto, apesar do recurso a este minimalismo, impressiona a riqueza que se percebe em duas peças que acabam por ser tão distintas entre si.

Antes de se iniciar a apresentação de 4, a escuridão da sala mantem-se durante algum tempo, como que para permitir que os olhos se adaptem para o que virá a seguir. Do centro do palco emerge uma mole clara, apesar de cinzenta, composta por quatro corpos humanos. Os rostos não se vêem, não é possível perceber se são homens ou se são mulheres. A música de Xiao He imprime a métrica que alimentará os movimentos na próxima meia-hora.

O ritmo contagia, mesmo que não se percebam quaisquer instrumentos de percursão. Ouve-se apenas uma voz humana, que parece recitar algo que não conseguirmos decifrar. Os quatro corpos mantêm-se dispostos à mesma distância uns dos outros. Movem-se como se fosse apenas um, numa sincronização que parece inumana – um solo permanente a quatro corpos, do princípio ao fim da peça.

O palco é uma caixa negra impenetrável. Apesar dos trajes largos, desajeitados e assimétricos, de cor cinza, distinguem-se claramente as formas. Apenas os corpos sobressaem da projecção da luz branca. Os movimentos estão memorizados durante aquela meia hora. Não há espaço para improvisos. Como será que se consegue memorizar meia hora de movimentos sincronizados? Será uma dificuldade semelhante à de memorizar um texto?

A segunda parte teve a apresentação de 5. Partindo de um estilo com pressupostos muito semelhantes, suficientes para se perceber que se trata do mesmo criador. De novo os trajes de cores esbatidas e de novo uma mole de pessoas no centro do palco. Mas, se antes os movimentos estavam sincronizados de forma precisa, agora os corpos moviam-se lentamente, como magma que escorria de uma ponta para a outra do palco, como se este fosse um tabuleiro que se inclinava para um lado ou para o outro.

O corpos contorciam-se e entrelaçavam-se numa única entidade, um mecanismo que depende do pleno funcionamento de todas as peças, com repetição e tempo, dois dos elementos fundamentais que Tao Ye convoca para as suas coreografias. O cinza é o mesmo que perscrutamos nas obras de arquitectura de Tadao Ando.

No final, há uma sensação de vazio de conteúdo. Talvez pela inexistência de um momento de êxtase, que esperamos, mas que nunca acontece. Então emergem as imagens que supúnhamos serem o pretexto para algo maior que estaria para vir, mas que nunca apareceu.

Afinal, o tempo é uma linha contínua e a expectativa é uma traição que distrai do que aqui é essencial – o corpo em movimento como entidade superlativa; e a repetição, que permite encontrar a distinção nos pequenos detalhes, nas pequenas diferenças, que acabam por ser o mais importante.