“Portugal tem estado distraído. O GuiDance quer dar atenção a outros centros de criação”

Fotografia: Paulo Pacheco

Fotografia: Paulo Pacheco

O GuiDance 2017 fica marcado pela estreia de Russell Maliphant [“Conceal/Reveal”, Grande Auditório do CCVF, 2 de Fevereiro, 21h30] nos palcos portugueses. O que te levou a fazer esta escolha para a abertura do festival?

Russell Maliphant inscreve-se num perfil de criador que traçámos como sendo importante para o festival. É um criador que atravessa gerações, está ligado a um foco importante que é a cena britânica e é alguém também que combate esta ideia que por vezes se instala do novo pelo novo. O festival tem esta característica de apresentar alguns coreógrafos que atravessam gerações, que têm uma obra absolutamente incontornável, o que para nós é extremamente importante num tempo de vertigem, em que a assimilação por vezes não é feita da melhor forma. Russell Maliphant inscreve-se também um bocadinho nesta ideia, tal como o Wim Vandekeybus [“Spaek Low if You Speak Love”, Grande Auditório do CCVF, 11 de Fevereiro, 21h30], de uma grande figura que tem um percurso. Para nós é extremamente importante para perceber a história da arte contemporânea, mas sobretudo a longevidade e dos vocabulários que os criadores vão desenvolvendo.

Em Maio, também foi o CCVF a proporcionar a estreia de Wayne McGregor nos palcos nacionais. Por que demoram tanto tempo estes criadores britânicos a chegar até nós? É uma questão financeira? Ou os programadores nacionais têm estado mais atentos à dança que se faz na Europa continental?

Também me tenho interrogado sobre isso. Tentámos ir à procura de outros focos de interesse que não apenas a cena francesa ou a cena belga. Penso que o festival também inova por isso, olhando para outros territórios. A intenção será abrir para outros focos e estamos a explorar outros territórios para o futuro. Portugal tem estado distraído de algumas propostas e o GuiDance quer dar atenção a outros centros de criação.

Tânia Carvalho ocupa um lugar especial na programação deste ano do GuiDance, com uma estreia absoluta [“Captado pela Intuição”, Grande Auditório do CCVF, 4 de Fevereiro, 21h30] e uma remontagem [“De mim não posso fugir, paciência!” (2008), Black Box da PAC, 8 de Fevereiro, 21h30]. O que justifica esta decisão?

A Tânia Carvalho tem uma relação com Guimarães de longos anos. Além disso, é uma coreógrafa persistente no desenvolvimento da sua visão criativa. Nem sempre foi compreendida no início da sua carreira, mas está em plena afirmação. Para nós é um dos expoentes máximos da dança contemporânea em Portugal e merecia este destaque. Já fizemos uma remontagem no ano passado e é uma dimensão que o festival quer trabalhar. É importante olhar para as obras a partir da história que elas provocaram. Neste caso, consideramos que esta é uma peça muito icónica no percurso da Tânia Carvalho, que abriu as portas da circulação internacional.

Tânia Carvalho, tal como Luís Guerra [“A Tundra”, Grande Auditório do CCVF, 9 de Fevereiro, 21h30] e a dupla Ana Jezabel e António Torres [“A importância de ser (des)necessário, Black Box da PAC, 11 de Fevereiro, 18h30] apresentam em Guimarães peças que também foram criados na cidade, no Centro de Criação de Candoso. O público do festival tem a percepção disto?

Ainda é cedo para o público perceber isso com tanta clareza. É preciso mostrar um bocadinho mais, daí também termos aberto Candoso à imprensa na antecipação deste festival. É preciso passar a mensagem de que as coisas estão ligadas. Candoso é de facto uma unidade de produção e programação muito viva, que tem contribuído para este festival, mas também para a nossa programação regular e para a programação de outros teatros. É normal que, estando Candoso mais relacionado com aspectos mais reclusivos, de processo de criação, o público não se aperceba. A importância de um equipamento destes é o de dar à cidade um estatuto inigualável na dianteira da criação artística em Portugal. É neste aspecto que Guimarães se está a tornar cada vez mais fundamental para a escrita da história da arte em Portugal.

A programação deste ano constrói-se à volta da ideia de autoria. O autor ainda importa nos dias que correm?

Espero que o festival formula algumas pistas para responderemos a isso. Por vezes, a obsessão pelo novo faz com que as obras sejam uma espécie de assemblagem de influências do tempo e que não nos convoquem para uma ideia de futuro. Daí estarem na programação do festival alguns criadores com uma longa carreira. Queremos olhar para as obras e perceber que elementos, que características, fazem uma coreógrafo tornar-se autor e também ter um caminho longo e inspirador. Para nós foi importante num época de vertigem, em que tudo se sucede ao ritmo de alta velocidade, voltarmos a colocar ênfase na questão da autoria, para se perceber se a história do nosso tempo é apenas uma junção de coisa que se vão sucedendo ou se há um pensamento mais profundo. Não quisemos dar uma resposta muito concludente, porque é o público é que tem que a encontrar na sua relação com os espetáculos.

Conhece a programação completa do GuiDance 2017 aqui.