“O equilíbrio está no diálogo entre a renovação do legado e o risco do que falta criar”

Fotografia: Paulo Pacheco

Fotografia: Paulo Pacheco

5 perguntas a Rui Torrinha, director dos Festivais Gil Vicente. O certame de teatro contemporâneo acontece entre esta quinta-feira e 11 de Junho, em Guimarães.

Ócio – O exercício de programação é sempre uma negociação entre o desejado e o possível, mas à semelhança do que tinha acontecido com o GuiDance, os Festivais Gil Vicente têm uma programação forte e coerente. Estás numa maré de sorte?

Rui Torrinha – O objectivo tem sido fortalecer os festivais a partir de uma ideia de criação que se concretiza na escolha e planeamento das co-produções. Foi isso que fizemos, quer com o GUIdance, quer com o Gil Vicente. O elenco deste ano apresenta cinco co-produções e uma presença internacional, que cumprem o desígnio dos Festivais: propor novas dramaturgias e releituras contemporâneas de textos clássicos do teatro.

Como se transpõe para a programação um equilíbrio entre dramaturgia clássica e contemporânea?

Esse equilíbrio é procurado através da forma como os criadores/encenadores pegam nos textos clássicos e lhes conferem uma certa pertinência, um olhar fresco e por vezes disruptivo, abrindo uma perspectiva mais profunda sobre eles. Ou seja, como é que, a partir dos cânones teatrais, se pode (até) interpretar a realidade no sentido de se levantarem questões que nos permitiam reflectir sobre o nosso tempo. Há questões que são intemporais mas que se tornam mais ou menos relevantes e recorrentes em função dos contextos em que nos inserimos (social, politico, cultural, etc.). Ao mesmo tempo, a importância das novas dramaturgias coloca-se como prova vital do contributo que o festival dá à escrita da história contemporânea do teatro em Portugal, afirmando-se como um espaço de oportunidade para o lançamento ou consagração de dramaturgos portugueses. O equilíbrio do festival está no diálogo entre a ideia de renovação do legado e o risco do que falta criar.

O que é que textos como “Ricardo III”, “O Misantropo” e “O Cerejal” têm para nos dizer, centenas de anos depois de terem sido escritos?

A condição humana está lá. Há questões que nunca foram devidamente descodificadas ou ganharam novos significados perante a evolução das sociedades e que importa serem “vividas” uma vez mais. São textos que nos remetem para temáticas que sempre interessaram ao homem e à sua forma de se relacionar. Que nos empurram para a necessidade de nos colocarmos em perspectiva, através de uma encenação é certo, mas com a finalidade de um reconhecimento histórico que nos permita continuar o processo de criação contemporânea e a imparável missão de abraçar o futuro. Pode dizer-se que por vezes adivinhamos o futuro nas entrelinhas do que já foi escrito, voltando a “reler” essas obras.

Incluir uma proposta internacional é uma necessidade de afirmação do festival?

A proposta internacional resulta de dois aspectos. Um, a relação com a Europa e com o mundo que a cidade continua a alimentar através das artes. A outra, o aprofundamento e acompanhamento que o projecto cultural da cidade tem com o trabalho de certos criadores, entre eles os tg STAN. Obviamente que estes aspectos têm o objectivo claro de afirmar o festival da sua especialidade e o projecto cultural em que está inserido na generalidade.

Paralelamente ao programa de espetáculos há propostas que incluem conversas sobre teatro na cidade. Ainda é preciso levar o festival à cidade?

É importante que a cidade tome conta do festival e o afirme como seu nas mais diferentes valências. Que a manifestação do teatro se faça nos seus mais diversos quadrantes: formação, debate, espectáculos e interação entre público e artistas. Há dimensões que podem crescer muitíssimo em direção à cidade e população. Continuaremos a estudar e trabalhar esse potencial em anos futuros.