GuiDance: Speak Low If You Speak Love

 

"Speak low if you speak love”, de Wim Vandekeybu - Fotografia: Danny Willems

Fotografia: Danny Willems

Que o amor é algo desconexo e muitas vezes ilógico, já sabemos, mas quando um coreógrafo explora essa ideia, um resultado mais estranho ainda surge. Mas Vandekeybus encara a estranheza e eleva-a a algo quase inexplicável — e surge “Speak low if you speak love”, uma espécie de ópera/musical/espectáculo, ou uma combinação dos três que é tão intangível quanto o amor.

Esta sátira ao idílico romance, ou mero retrato da realidade, retira a seriedade que tantas vezes associamos ao palco — nem todas as peças contemporâneas têm de ser densas, ou altamente conceptuais, podem ser totalmente mundanas e mesmo assim ser relevantes e impactantes. Foi isso que Vandekeybus mostrou no encerramento do GuinDance 2017.
Falar de amor parece cliché, no entanto a abordagem de Vandekeybus é tudo menos expectável — este não é um espectáculo necessariamente romântico, é um espectáculo que mostra o amor como ele é: confuso, complicado, difícil, enfim, diferente de todas as histórias “… e viveram felizes para sempre”.
Desde o início da peça que  sentimos que estamos prestes a ser hipnotizados por uma voz rouca, doce, que sussurra uma espécie de encanto, uma premonição do que aí vem, um espectáculo que agarra desde o primeiro ao último instante.
Para além da assombrosa técnica que é demonstrada pelos bailarinos, ressalta sobretudo a leveza — não a leveza do movimento, porque este é um espelho do que é a vida, é bruto quando tem de ser, é imprudente, é calculado, é terno — a leveza que advém de uma coreografia pensada para reflectir algo que é real.
Vandekeybus não tem medo do humor, e este tem uma presença permanente na peça, seja na invulgar escolha de guarda-roupa, quando todos os bailarinos, homens e mulheres, dançam de vestido, seja no baterista que saltita pelo palco enquanto toca flauta, seja na cantora que se pavoneia no palco — a peça não é um musical, mas quase podia ser. Um dos bailarinos assume quase o papel de voz da razão no meio de toda a loucura, gritando com todos, de forma descontrolada, mas rapidamente chegamos à conclusão de que o louco é ele — não há razão que valha nesta reflecção sobre relações e sentimentos.
“Love is a spark, lost in the dark too soon, too soon” entoa Tutu Puoane, a cantora jazz que tão carismaticamente quebra a rigidez do que é esperado de num espectáculo de dança, dançando, interagindo, atropelando por vezes até os performers, tornando mais forte o elo entra a criação de Vandekeybus com a realidade. O inesperado na peça, tal como na vida, é sem dúvida cativante e é também a maior arma de Vandekeybus — a integração de solos, duetos, coreografias de grupo de forma tão orgânica e fluída, de tal forma que uns parecem consequência de outros, coreografia que não pesa como uma coreografia, que não parece coreografada, mas parece sim a expressão do sentimento, uma reacção dançada daquilo que acontece — a vida a acontecer no palco.