DDD: As estátuas também sofrem

Pierre Planchenault

Pierre Planchenault

São feitas de marfim e carne as estátuas que a coreógrafa Marlene Monteiro Freitas nos apresenta em “De Marfim e Carne – As estátuas também sofrem”, criação que acaba por ser um baile quase surrealista. A ideia de animado e inanimado serve de mote para esta peça e para a ficção que os bailarinos criam entre si, permitindo-lhes a criação de personas em palco. A expressividade do gesto e o quase excessivo controlo facial são talvez o ponto alto deste performance – os intérpretes assumem expressões que parecem transcender quase o banalmente humano, parecendo em palco assumir quase um espírito animalesco.

Este espectáculo, que foi apresentado na passada sexta-feira no âmbito do festival Dias da Dança, surpreendeu pela quase micro-coreografia e intensidade do movimento, pelo esforço brutal suportado pelos bailarinos e pela completa entrega dos mesmos ao seu papel. Os figurinos, inspirados pelos fatos de esgrima, com o aspecto de armadura rígida, eram concordantes com a força dos corpos. No entanto, pareciam ser algo incongruentes com a escolha musical, que apesar de contar com composições clássicas, como o pas de deux do “Quebra Nozes” de Tchaikovsky, passou também por músicas dos Buraka Som Sistema e pelo constante som dos buzz de jogos arcade e o uso de címbalos em palco.

Apesar de o ponto partida desta criação ter sido o mito de Pigmaleão, a coreógrafa revela que o propósito da peça é quase livre e cabe a cada pessoa tirar a sua própria interpretação. No entanto a ideia de estátua está sempre presente ao longo da peça, pelo coerência ao nível de movimento, pela rigidez da expressão facial, pelo constante uso do staccato.

No final do espectáculo a audiência foi presenteada com a brilhante interpretação por parte dos performers do tema “Feelings”, de Nina Simone, imitando a grande diva ao pormenor, mostrando que as estátuas também são capazes de sentir.