Como uma peça muda uma carreira

VHP

No último Pecha Kucha Night Guimarães, Victor Hugo Pontes confessou algo que já podíamos ter imaginado. Antes de ter feito “A ballet story”, o coreógrafo disse “não” ao projecto. Recusou-o, tentou resistir-lhe até acabar por dizer ceder. Em boa hora. A peça com que abriu o festival Guidance em 2012, quando Guimarães era Capital Europeia da Cultura, mudou radicalmente a sua carreira. E continua a ser, a esta distância, um dos mais belos momentos da dança contemporânea em Portugal dos últimos anos. No próximo sábado, vamos poder revê-lo em Famalicão.

Ficamos sem saber o que assustava Victor Hugo Pontes antes deste espetáculo. Até então, o criador nascido em Guimarães era assistente de encenação de Nuno Cardoso no Ao Cabo Teatro, criando paralelamente peças de dança como coreógrafo. Seria a sala que o assustava? Meses antes, tinha apresentado “Fuga sem fim”, também no grande auditório do Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, mas a peça acontecia com um palco do avesso, para uma plateia de lotação limitada. Em Fevereiro de 2012, havia 800 lugares a olhar para a sua nova criação.

Seria o contexto? “A ballet story” foi uma co-produção da Guimarães 2012, apresentado em Fevereiro, quando a Capital da Cultura ainda não tinha ganho definitivamente o lastro que a tornou um sucesso. Ou seria a parceria proposta? Entre o público e o palco, o fosso de orquestra estava preenchido pela Fundação Orquestra Estúdio, a interpretar “Zephertyne” de David Chesky, ao vivo — e apenas dessa única vez — a obra que inspira o espetáculo. Talvez um dia venhamos a saber. Mas isso importa pouco para a história.

O que interessa realmente foi o que se passou a seguir. Uma peça na qual a dança contemporânea é aquilo que por vezes se esquece de ser: movimento belos, corpos precisos, entecortando solos e momentos colectivos, que se apoderaram do espaço cénico (desenhado originalmente por Fernando Ribeiro para “As três irmães”, de Nuno Cardoso) com uma mestria assinalável.

“A ballet story” foi o espetáculo de dança desse ano em Portugal. E mudou a vida de Victor Hugo Pontes, que se tornou num dos nomes maiores da dança em Portugal, assinando, depois disso, outras obras marcantes como “Zoo” (2013) e “Fall” (2014). Quatro anos depois, “Ballet” continua em cena, com interpretação de André Mendes, João Dias, Joana Castro, Liliana Garcia, Marco da Silva Ferreira, Ricardo Pereira e Valter Fernandes. Podemos vê-lo ou revê-lo no próximo sábado, a partir das 21h30, na Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão. É a forma de aquela sala de espetáculos comemorar o Dia Mundial da Dança, que se assinala na véspera.