Mais ou menos subversivo

A respeito da intervenção de Miguel Januário em algumas paredes de Guimarães, a primeira reação que ouvi foi negativa. Primeiro, por um certo sentido de injustiça que há em encomendar a um artista plástico “de fora” a pintura das paredes que os vimaranenses não podem pintar – a Câmara sempre foi “mais ou menos” rápida a limpar qualquer pigmento de rebeldia juvenil – dizem, que eu vejo as mensagens racistas do PNR a perpetuarem-se em alguns cantos da cidade sem que isso faça comichão aos “batalhões de limpeza” camarária. Note-se que nada tenho contra a encomenda a gente de “fora” – a ideia de uma Capital Europeia da Cultura implica que ninguém seja “de fora”, mas fica no ar a amarga sensação de que a pintar as paredes uns são filhos e outros enteados (os da casa).

±, Miguel Januário, amigo do Ócio, por sinal, e companheiro de lutas de que compartilho o ideal, quer agitar os pensamentos e fá-lo “subvertendo a letra do Hino Nacional”. Na verdade, a subversão é mais uma paródia ao mesmo, e é saudável, num momento em que os sentimentos chauvinistas vêm ao de cima com maior violência. O nacionalismo, tão marcante na identidade vimaranense, tão ciosa do seu papel genesíaco da ideia de Pátria, poderia sofrer alguns achaques com o desrespeito a um símbolo a que, como se aprende na tropa, se deve uma reverência maior que às pessoas a quem faz sombra. A noção de Pátria é difusa e é uma construção mental irracional, animalesca, até, da mesma forma que a delimitação do território com urina. O cão que grafita os postes com o seu cheiro estabelece o seu território e assim são os símbolos nacionais. Vá eu dizer isto a quem aprendeu e jurou matar pai e mãe se isso for necessário para a defesa da honra da bandeira e do hino. Porém, creio que ninguém se ofenderá com a chocarreira deturpação da letra da Portuguesa. A indiferença faz parte do caráter português. Os símbolos nacionais são meros objetos identificativos de um clube de futebol chamado Seleção Nacional, como se viu naquele ano em que as bandeiras made in China poluiam visualmente as nossas casas estilo maison mais as fachadas históricas de bela feição lusitana.

A minha Pátria é este povo conformado, humilde, sofredor, calado em apagada e vil tristeza. ± já tem no seu nome artístico esta irónica capacidade de refletir a indefinição de um povo que nunca fez nada de grande. Dir-me-ão: e as Descobertas? As Descobertas não foram um feito dos portugueses, meus amigos. Foram um feito de alguns portugueses assim obrigados por alguns senhores que procuravam espaço onde estender o seu domínio. Que fizeram os portugueses? Batalhas? Movimentos populares? Revoluções?… analisem cada um e vejam onde é que estava a força motriz desses “grandes” acontecimentos. No povo ou nos senhores que faziam crer ao povo que esse era o seu desígnio? Se calhar, é assim para todos os povos, não sei. Tudo bichos a precisarem de amestrador e senhor de chicote. Talvez seja essa a Natureza humana, a de não pensar e meramente obedecer a outros que, como eles, não pensam em demasia e se deixam levar pelos instintos.

Compreendo os graffiters da terra que se sentem humilhados com a encomenda de um produto que, vindo deles sempre foi rejeitado, e agora é elevado à condição de arte com direito a destaque na Agenda da CEC. Compreendo o ± e a sua vontade de agitar consciências. Compreendo tudo e, na verdade, não entendo nada. Não fui doutrinado na escola e na tropa a reverenciar e sacrificar-me por símbolos, nem por eles tenho, sequer, qualquer veneração clubística. Mas, já que se trata de agitar consciências, atrevo-me a dizer algo que cairá mal a muita gente que, como eu, e como o ±, creio, partilham a ânsia de ver um dia em que o povo acorde da sua moleza de escravo resignado: não é com palavras de ordem que se agitam consciências. É com textos longos, chatos, discussões profundas e sérias ou que aspirem a isso. É com disciplina mental e desprezo pelas formulações simples. Não com sinais breves. A graffitagem é apenas uma manifestação de revolta, e revoltada anda muita gente – gente que não verá naquelas frases paródicas nem mais nem menos do que aquilo em que já pensam. As consciências, assim, são agitadas como uma bandeira agarrada a um mastro: parecem mover-se, epur, se fermi