Ia “Guia para um final feliz” ainda a meio e dei comigo a pensar: «Mas onde tinha a cabeça?!». O novo filme de David O. Russel (que assinou “Três Reis” em 1999 e “The Figther – Último Round” em 2010) está bem longe do “meu” cinema e a experiência tinha tudo para dar errado. Descontando o desgraçado título (já são habituais as opções mais do que questionáveis das traduções nacionais de várias obras cinematográficas), a proposta é uma espécie cruzamento entre o melodrama e a comédia romântica, feito por um realizador cujo respeito merecido em certos círculos norte-americanos está para lá do meu entendimento.
E então por que motivo vi o filme, que o Cineclube de Guimarães passou na sua sessão da passada quinta-feira? Porque “Guia para um final feliz” surgiu bem colocado na lista de nomeações para os Oscares 2013 (oito no total, incluindo um poker nas categorias destinadas a actores). Comportei-me como Hollywood espera que se comporte o público: que corra atrás dos nomeados como se a sua nomeação caucionasse a qualidade das obras. E a opção resulta interessante, porque estando longe de ser sequer um bom filme, é o ponto de partida para uma reflexão sobre a máquina cinematográfica norte-americana.
David O. Russel vem do circuito independente, mas a sua filmografia está bem mais próxima do “mainstream” de Hollywood do que alguns sectores da crítica e o próprio realizador querem fazer parecer. O selo da todo-poderosa Weinstein Company está lá para comprovar isto mesmo e é difícil escapar ao peso dos irmãos que gerem a produtora no seu sucesso no mercado dos EUA.
São eles quem tem “feito” sucessivos sucessos naquele país, como “O artista” (Michel Hazanavicius), que ganhou o Oscar de melhor filme no ano passado – sendo uma produção francesa, foi a distribuição dos Weinstein no mercado norte-americano que lhe deu visibilidade.
A David O. Russel pedia-se que cumprisse e fizesse um filme “by the book”, com todos os ingredientes suficientes para o maquilhar, como se este fosse visto como “fora do sistema”. Só o moralismo dos EUA achará “ninfomaníaca” a personagem que valeu o Oscar de melhor actriz a Jennifer Lawrence. E os elementos icónicos como o saco de plástico que Pat Solitano (Bradley Cooper) usa para correr ou a repetição excessiva da expressão “silver lining” (final feliz, numa tradução livre), que vem do título original do filme (“Silver Linings Playbook”), acrescentam elementos distintivos que pretendem afastar o filme das comédias românticas mais rotineiras.
Se em “The Fighter” a entrega de Christian Bale à personagem salvava o esforço de Russel, os quatro actores em que se centra o sue novo filme estão longe de o conseguir fazer – ainda que a Academia os tenha nomeado a todos. Bradley Cooper tem a expressividade de um Ácer, Jacki Weaver limita-se a ser competente e Robert de Niro (que não faz um filme respeitável desde Jackie Brown, de Quentin Tarantino, em 1997) faz de …De Niro: cada vez mais histriónico e auto-referente.
E há ainda o fenómeno Jennifer Lawrence. A sua queda no momento em que subia ao palco para receber o Oscar foi a única compensação para o disparate que a Academia acabava de fazer ao galardoá-la. Ali ao lado estava a imensa Emmanuelle Riva que aos 86 anos mostrou, em “Amor” (Michael Haneke) que ser actriz de cinema é bem mais do que ter as bochechas adequadas.
“Guia para um final feliz” é mais denso e elaborado do que os filmes-pipoca. Mas não há rasgo algum que nos faça lembrar dele dentro de… 3 meses. Mas para quem quer entender Hollywood, este é o filme ideal. Estão lá os ingredientes todos para fazer um “Guia para um filme com final feliz”.