DDD: Um perigoso flirt com a morte

Créditos fotográficos: Susana Neves

Créditos fotográficos: Susana Neves

Desde o primeiro momento em que entramos no auditório Manuel Oliveira do Rivoli, sentimos a batida da musica a trespassar o corpo, o flash da luz constante, e movimento subtil das intérpretes. É aí que percebemos que estamos perante uma criação completamente diferente. “Featuring Mortuum”, apresentado no último domingo no âmbito do festival os Dias da Dança, é uma peça que usa a finitude das coisas para explorar os limites do teatro e testar a reação do público, levando ao limite o jogo do real e irreal.

Um corpo inanimado, deixado quase ao abandono no centro do palco, deixa-nos sempre ansiosos pelo momento em que algo acontece. Somos surpreendidos pelo facto de que nada acontece. E pela força que a ausência de movimento consegue ter. Toda a peça se desenrola baseando-se na dicotomia vida-morte, em que as bailarinas em palco interpretam respirações e movimentos, ora em sincronia com a música – que mimetiza de forma quase exata a batida do coração -, ora interagindo com o corpo caído, violentando-o, despindo-o, atirando-o para o chão repetidas vezes.

Cristina Planas Leitão, directora-artística e intérprete, criou uma triangulação entre público, intérpretes e o corpo morto, que explora os limites do conforto, não só das performers a um nível físico, mas também do público a um nível emocional, com situações inesperadas que nos deixam quase com vontade de levantar da cadeira e correr para palco.

Todo o espetáculo é algo estranho. Não é habitual que sejam os interpretes em palco a ditar as indicações cénicas ou a manipular o som do espetáculo. Mas de certa forma, esta é a maneira mais fiel de retratar o que na verdade acontece num peça. A  audiência é assim imersa numa atmosfera mais intimista, mais genuína, que nos leva a tomar como certo que realmente estamos à espera de que o inevitável aconteça.

A respiração é um momento fulcral nesta performance, sendo coreografada quase à até exaustão, deixando bem assente o facto de que ela é de facto limitada. A fisicalidade das intérpretes chega a ser quase excessivamente convincente, mesmo em momentos de declamação – a entrega e brutalidade com que o texto é proferido e o forte contato visual com a audiência torna impossível sair do auditório indiferente.

A peça culmina com uma quase exaltação do corpo morto, pintando-o e embrulhando-o num gigante plástico, apresentado-o quase com um presente final para o público abandona a sala, num perigoso flirt com a ideia de morte.