“Everlasting” é a nova criação de Joana Castro e Flávio Rodrigues que nos transporta para uma realidade estéril e nua. A sinfonia de Dvorak “From the New World” serve de cortina de fundo para esta peça que retrata, tal como a obra musical, a construção de um novo mundo. Uma reflexão sobre a criação de um abrigo num espaço inabitado, e sobre a maneira como nos apropriamos do vazio e criamos conforto através daquilo que nos rodeia. A peça foi apresentada na passada terça-feira, incluída na programação do festival Dias da Dança, organizado pelo Teatro Rivoli no Porto, Gaia e Matosinhos.
O tom épico da melodia funciona como uma guia para a criação coreográfica, que assume contornos quase baléticos, criando assim uma concordância com aquilo que ouvimos, mas ao mesmo tempo uma contradição com aquilo que vemos. A formalidade, quer no movimento quer na estrutura dramática da criação são um contraponto com o cenário que vemos gradualmente surgir, com pedras e paus suspensos com fio norte, de uma forma algo tosca e muito primária.
O efeito cenográfico e forma como os intérpretes usam a pedra e o pó é algo que em nada fica aquém de espetacular – o jogo de luzes com a suspensão do pó que é brutalmente atirado para o chão dá uma mística ao palco que, mesmo sem um cenário no sentido tradicional, transmite a ideia de que estamos realmente num mundo diferente.
A quase escultura com que ficamos no final da peça é ao mesmo tempo construção e ruína, processo de uma coreografia em dueto, que na real verdade não o é. Apesar de os dois performers estarem sempre em palco, em nenhum momento a linguagem coreográfica é partilhada ou existe entre eles sincronia, dando uma maior coerência à ideia antagónica que atravessa todo o espetáculo – a relação entre o novo e o velho, o seguro e o precário, fazendo quase um ponto com o atual estado da cultural e a condição de artista em Portugal.