Desde há alguns anos, com a chegada do festival Primavera Sound a Portugal, a Primavera passou a ser a estação da música e deixou de ser a estação das flores. É verdade que não faltam coroas de flores nas cabeças dos visitantes de todas as nacionalidades do festival, mas com tanta oferta musical dividida por quatro palcos, é difícil não esperar mais ansiosamente pela chegada anual do festival, onde germinam sons aos molhos, do que propriamente pelo desabrochar das flores.
De facto, no Primavera Sound germinam flores nos ouvidos e na mente dos espectadores, que assistem extasiados a momentos inesquecíveis, com alguns dos nomes mais sonantes da música de índole alternativa. E essas imagens dos fãs extasiados surgem constantemente nos ecrãs gigantes nas laterais dos palcos principais.
Para além de trazer alguns dos nomes mais extasiantes da música actual, de trazer as promessas do futuro, e as lendas do passado, o Primavera Sound é um festival onde se está confortavelmente no campo e se esquece que na verdade se está no meio da cidade. É o festival onde os portugueses e os estrangeiros se unem pela mesma língua, a música, e onde os presentes guardam o mesmo tesouro para a posterioridade: a memória do festival (para além da pulseira do festival).
Em 2016 fomos presenteados com concertos inesquecíveis como o das Savages, que subiram de divisão, para o segundo palco, após anos atrás terem tocado num palco mais pequeno. O amor que receberam nesse concerto deu até para escrever uma música chamada “Fuckers” que fez o delírio dos presentes.
2016 foi também o ano em que os públicos de todas as idades cantaram a uma só voz ao som de Brian Wilson e que surfaram pela colina abaixo como se estivessem nos Estados Unidos (“surfing USA”).
Os Explosions in the Sky, também repetentes, protagonizaram outro dos momentos altos do festival, com uma hecatombe de guitarras de caixão à cova.
Imponência foi a palavra de ordem do concerto dos Sigur Rós, com um alinhamento forte e uma componente visual grandiosa, rara nos concertos em festival. Se Jónsi parecia acabado de fugir do manicómio e de se soltar do colete de forças, ficando com o cabelo despenteado atrás, todos os que tiveram a sorte de assistir ao concerto de Ty Segall ficaram completamente loucos. Bravo é o que se diz quando se vai à ópera, mas esta é a palavra correta a aplicar ao concerto de Ty Segall, que terminou com uma versão dos The Doors, perante um público enlouquecido que não arredava pé e que pedia (gritava) por mais.
Battles foi mais um concerto em que o público perdeu a cabeça, com tanta energia e tanta matemática, mas quem curtiu o math rock dos Battles acabou por perder Car Seat Headrest, outro dos grandes concertos do festival. De facto, a grande queixa a apresentar ao Primavera Sound é esta: haver tanta coisa boa ao mesmo tempo e só um corpo para dar conta do recado.
Mudhoney foi o momento anos 90 por excelência do festival e Unsane também se destacou, assim como BEAK>, projecto de um dos membros dos Portishead. PJ Harvey e Air protagonizaram concertos “fofinhos”, a mostrar que um festival se faz de diferentes estilos e para diferentes gostos, enquanto Moderat e Kiasmos permitiram libertar a mente da força das guitarras e fazer o corpo dançar ao som da electrónica.
A nível de portugueses, Linda Martini foi Linda Martini. Sensible Soccers infelizmente não deu para ver, assim como vários outros concertos, no meio de tanta pornografia musical.
Para o ano há mais flores. Nós lá estaremos para as cheirar e colher, a tentar multiplicar o corpo por diferentes palcos e a mente por diversos estilos.