Pode a expressão cultural transformar?

A mais recente polémica em torno da digressão europeia do cantor Sizzla reabriu o debate acerca dos direitos e liberdades, expondo uma das principais fragilidades da pós-modernidade. Se a liberdade de expressão e de criação artísticas são direitos inalienáveis de cada individuo, poderão as convenções colectivas impedi-la ou limitá-la? Numa sociedade em que cada um está a condenado a ser livre, o que, em sentido concreto, significará qualquer coisa como fazer livremente as suas escolhas, será admissível impedirmos o discurso do ódio? As perguntas, assim formuladas, parecem simples, mas as respostas, mais do que complexas, terão necessariamente que ser incompletas.

Não aprecio, abomino mesmo, o discurso do ódio. Mais do que isso, não tenho a mínima simpatia pelo projecto político de Sizzla. Ainda assim estou longe de me pasmar perante a estupidez que, ao contrário do que alguns alvitram, não é coisa do nosso tempo e  já Friedrich Schiller sabia que contra ela até os próprios deuses lutam em vão. Questiono-me, portanto, sobre a legitimidade para o silenciar, mesmo sabendo que as consequências das suas palavras estão para lá da simples estética musical.

Vejo estas coisas com a natural e necessária reciprocidade. Se Sizzla pode dizer que gostava que os maricas morressem, então qualquer cidadão pode afirmar que ele é boçal, pode dizer que se sente envergonhado por ter um palco no seu país e pode avisar a TMN de que não gosta de ver a empresa associada a expressões artísticas e políticas deste teor. Há alguma coisa de errado nisto? Creio que não. Ironicamente, as críticas que agora se fazem àqueles que legitimamente se expressaram indignados com a realização do concerto vêm exactamente dos mesmos que, há uns meses atrás, se regozijaram com a decisão de uma empresa privada de seguros (Tranquilidade) cancelar uma exposição artística pelo seu teor homoerótico. Fica claro que aquilo que os move não é o amor à liberdade mas o ódio à homossexualidade.

A verdade é que a expressão cultural não só pode ajudar transformar como tem sido o mais importante motor da transformação social pós-moderna. E, para que a transformação aconteça, é fundamental que os homens continuem a estar condenados à liberdade.