Paredes de Coura: Uma noite memorável entre a mediania

Fotografia: Hugo Lima/Festival Paredes de Coura

Fotografia: Hugo Lima/Festival Paredes de Coura

Guardamos muitas e boas memórias do anfiteatro natural de Paredes de Coura ao longo dos anos. E agora juntamos-lhes mais uma. Saímos da edição de 2016 com a convicção de que foi memorável. Por causa da noite de quinta-feira, 18. Os LCD Soundsystem justificaram a expectativa e o estatuto neste feliz regresso, tendo sido antecedidos por outros dois concertos excelentes. Uma noite quase-perfeita. Pena foi que os dias seguintes não tenham estado ao mesmo nível.

Já o tínhamos antecipado e, de facto, Paredes de Coura 2016 será para sempre lembrado como o ano de LCD Soundsystem. O concerto da banda de James Murphy foi tudo o que podíamos ter sonhado, com a energia contagiante que costuma estar associada à banda – e que não tínhamos visto no concerto do Alive em 2010.

Foram os LCD que nos fizeram gostar de bolas de espelho e música eletrónica, porque nunca deixaram de ser rock. E foram as bolas de espelho a ocupar o palco em termos cénicos, enquanto os sete músicos à volta de Murphy enchiam Paredes de Coura com uma torrente de felicidade. O reencontro deu-nos a ouvir as composições que tornaram a banda seminal, mudando a música que se faz nestas primeiras décadas do século. Não faltou nada ao concerto. O que será suficiente para não mais o esquecermos.

O público já estava “no ponto” antes de os LCD Soundsystem terem subido ao palco. Porque antes houve Thee Oh Sees a mostrarem um poderio desenfreado, guiados pela guitarra de John Dwyer e pelo par de baterias que pareciam coreografadas de tão sincronizadas. Já dissemos que gostamos de rock? É por causa de bandas como esta. Ficámos agarrados aos primeiros rifs e fomo-nos rendendo cada vez mais até ao final da actuação.

Um pouco paradoxalmente, o grande concerto da noite – e do festival! – não teve nada disto. Não teve oito músicos em palco como com LCD Soundsystem, não teve duas baterias como com Thee Oh Sees. Não teve sequer guitarras. Teve de resto muito pouca coisa em palco: o computador onde Andrew Fearn fazia correr as linhas de ritmo previamente criadas e a voz de Jason Williamson a debitar raiva e desolação.

O poder da palavra a ecoar em Coura. Uma actuação poderosa e magnética, desprovida de aparato. Que, por momentos, nos soltou do alheamento festivo que costuma percorrer um festival de música para nos reencontrarmos com um mundo em colapso.

Depois dessa noite quase-perfeita, o festival entrou em registo mediano. Já se antecipava que assim fosse, olhando a programação – o que era perfeitamente expectável tendo em conta o desequilíbrio entre a dimensão dos LCD Soudsystem e os restantes cabeças de cartaz. Ainda assim, é justo referir o outro grande concerto do Paredes de Coura 2016. Aconteceu na noite de sexta-feira, com outra explosão rock.

Falamos the King Gizzard & the Lizzard Wizard: Sete senhores em placo, três guitarras, mais um par de baterias, uma flauta transversal e uma harmónica. Autores de um dos discos do ano, transpuseram a mesma sensação de álbum-conceptual para palco, fechando com o mesmo tema com que começaram e mantendo uma coerência ao longo de todo o espetáculo. Vamos querer reencontrá-los, de preferência neste mesmo lugar.

Pela reacção do público, houve outros dois concertos que se destacaram: Cage the Elephant, no sábado, e Portugal. The Man, no domingo. As duas bandas são intérpretes de um fenómeno muito courense: a adoração de bandas médias. Não se pode dizer que sejam frágeis como os Vaccines mostraram, uma vez mais, ser, mas não justificam o estatuto de cabeça de cartaz nem o entusiasmo que varreu o anfiteatro de Paredes de Coura.

Os primeiros tiveram os mui enérgicos irmãos Shultz a descerem com frequência para junto do público para experimentar essa sensação de idolatria, mas, apesar da actuação consistente, não conseguiram convencer-nos dos seus méritos. Os segundos conseguiram estar melhor, surpreendo pela capacidade de serem divertidos – citando outras bandas, por exemplo – e versáteis, ao mesmo tempo que mostraram as suas canções pouco ou nada marcantes.

Houve ainda lugar a desilusões como Cigarrettes After Sex – talvez Coura não tenha sido, afinal, a atmosfera certa para o seu negrume –, The tallest man on earth – ironicamente, mais convincente quando cantou sozinho, como na primeira passagem pelo festival em 2010, do que quando se rodeou de banda – e CHVRCHES, que depois de um concerto competente em 2014 foram desta vez sofríveis, fechando amargamente a edição 2016.