Missa do Coelho: oremos…

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Os que passavam por aqui há umas décadas atrás, dificilmente se esquecerão do bulício desta zona da cidade, por onde a Ribeira de Couros corre escondida – os característicos barulhos das fábricas, o cheiro dos curtumes, as cornetas das fábricas nas horas de ponta, o movimento das pessoas a chegar e a partir. Quem hoje passa pela Rua da Liberdade, em Guimarães, percebe que esta área procura uma nova função e uma identidade que a integre de novo na estrutura urbana da cidade.

Hoje, outros sons sobem a Rua de Camões e a Caldeiroa. Partem de um dos edifícos onde outrora funcionava uma daquelas fábricas e onde agora está instalado o Centro dos Assuntos da Arte e da Arquitectura (C.A.A.A.). É Sexta-Feira Santa, 25 de Março, assinala-se a Páscoa da Ressurreição e na antiga fábrica da Rua Padre Augusto Borges de Sá irá celebrar-se a “Missa do Coelho” – uma noite de concertos, com um cartaz de design desconcertante, onde se alinham Galgo, The Japanese Girl, Sun Blossoms, Captain Boy e ainda o live act de Claiana.

José Manuel Gomes e Giliano Boucinha, dois dos organizadores da “Missa do Coelho” e que fazem parte do mesmo grupo de entusiastas que lançaram a “Missa do Galo”, em plena noite de véspera de Natal, explicam que a ideia passa por fazer acontecer algo em datas nas quais, tradicionalmente, não se passa grande coisa. No Natal, a experiência correu de forma satisfatória, o que os motivou a lançarem-se num novo empreendimento.

José Manuel Gomes não esconde o carácter exploratório da organização das missas – desenvolve-se a ideia, aluga-se o espaço e convidam as pessoas a aparecer – “enquanto isto for correndo bem, haverá outras missas do mesmo género”.

Por sua vez, Giliano Boucinha justifica o aparecimento das missas como uma extrapolação daquilo que costumam fazer entre amigos – “a ideia parte de uma prática que temos entre nós, de partilhar música que individualmente descobrimos e de que gostamos. Com as missas queremos mostrar a toda a gente algumas bandas que estão a aparecer, de que gostamos e que achamos interessantes”.

O critério da escolha do line-up parte desse pressuposto e de mais dois ou três. José Manuel Gomes diz que há um trabalho de pesquisa que é feito antes da escolha das bandas. Gil acrescenta ser importante ver como é que funcionam ao vivo. Um terceiro aspecto, que concorre para a construção do cartaz, é a preocupação de ter alguém de Guimarães. Há ainda a questão do orçamento, que limita a organização das missas, mas que não pode ser um factor impeditivo – “as missas são uma aposta sem fundos. É um risco muito grande que teremos que assumir, caso as coisas não corram bem”, confessa Gil. “Temos que alugar um espaço e providenciar toda a produção, em datas que tanto podem correr muito bem, como podem correr mal”.

Há um sentimento, que é mais ou menos tácito entre as pessoas que se envolvem na organização das missas, de que há qualquer coisa excitante que está a acontecer em Guimarães. Há uma nova geração  de músicos e de bandas, que tem servido para a troca de experiências e de ideias.

A cidade de Guimarães, volta e meia, vive episódios como este. Há uma história associada aos grupos de baile nos anos 60, ao rock nos 70. Na década de 80 surge uma onda de bandas interessantes, como os Anomeos, os Alliallatas ou os Cio Soon. Nos anos 1990 há, por breves momentos, os concertos no Tasquilhado ou no Milenário Bar, de que se recordam os Blue Orange Juice e até uma editora com fortes ligações à cidade – a Garagem.

Recentemente, além da programação dos equipamentos culturais, a cidade de Guimarães tem visto aparecer novos eventos independentes, de pequena dimensão, associados à música. Por exemplo, o Mucho Flow, o Suave Fest e agora as missas. Algumas bandas têm surgido em Guimarães também nos últimos tempos – os Tøuløuse, os Paraguaii, Captain Boy, entre outras. No entender de Giliano Boucinha, as cidades são um meio onde as pessoas se concentram. Há maior probabilidade de uma pequena ideia funcionar numa cidade, onde há sempre um grupo de pessoas que se interessam sobre determinada matéria.

O homem da guitarra dos Paraguaii não entende que estes eventos sirvam para preencher alguma lacuna – “entendemos que é mais uma necessidade” e brinca com a designação que escolheram, dizendo que o atrevimento de um grupo de pessoas em organizar eventos deste género é uma espécie de pregação, – “talvez daqui a uns anos se fale das missas como uma coisa importante que aconteceu na cidade”. José Manuel Gomes, que toca com Captain Boy e nos This Penguin Can Fly, é mais cauteloso e prefere esperar para ver – “pode haver uma identidade que surja a partir daqui, mas para já não sabemos”.

No final da noite o staff acabou numa dança colectiva em cima do palco, ao som das batidas contagiantes de Claiana. Parece óbvio que tudo correu como era suposto (pelo menos até à altura de acordar depois de uma boa noite de sono). Será portanto de esperar uma nova edição da “Missa do Galo”, em 2016. Que assim seja.

A reportagem em vídeo pode ser vista aqui.

Créditos fotográficos © Liliana Lemos