Fotografia: Rafaela Silva
À Alemanha na viragem dos anos 1960 para os 70 associamos o início da revolução tecnológica, as tensões políticas dos blocos resultantes da segunda grande guerra e da vitalidade criativa, particularmente na música, com aparecimento de bandas como os Kraftwerk, os Can, os Neu! ou os igualmente efémeros Harmonia.
Todos estes projectos, associados a novas formas de abordar a composição musical com recurso a instrumentos electrónicos, porventura decorrentes das experiências exploratórias de Karlheinz Stockhausen no domínio da música erudita contemporânea, ficaram conhecidos como pertencentes ao movimento ficou conhecido como krautrock.
A figura de Michael Rother aparece de uma forma ou de outra ligada a todos aqueles projectos seminais da música electrónica. E daí a importância que lhe atribuímos como uma das figuras centrais da história da música recente. Rother constitui um elemento charneira entre o passado recente, que é o dele, com a actualidade, tendo servido de referência a bandas como os Sonic Youth, Stereolab, entre outras.
Essa ambivalência entre passado e presente esteve de alguma forma representada no concerto de domingo 16, no gnration, em Braga. Michael Rother fez um alinhamento onde recuperou uma boa parte do seu trabalho a solo e composições que engrossaram o repertório dos grupos de que foi co-fundador – os Neu!, em 1970; e depois os Harmonia, em 1973.
Também os músicos que o acompanharam poderão ser um alicerce para a ponte entre passado e presente. Na bateria Hans Lampe, 64 anos – um veterano com calva a fazer lembrar o George Martin, que alinhou com os Neu! e com os La Düsseldorf!. Na guitarra Franz Bargmann, que tem assinado vários trabalhos onde explora a improvisação e a sobreposição de texturas sonoras à guitarra e que também faz parte dos Camera, que por sua vez acabam de lançar o disco “Phantom of Liberty”.
Michael Rother desde sempre que insiste em recuperar o trabalho dos seus projectos passados, muitas das vezes juntamente com ex-companheiros seus. Em 2012 iniciou uma digressão onde se propunha revisitar o repertório dos Neu! e dos Harmonia, além de material da sua lavra exclusiva. Em Portugal, Rother estreou-se em 2013, na Madeira. Em 2015 passou pelo Milhões de Festa, exactamente com o mesmo programa com que se apresentou no gnration.
Notavam-se no ambiente tensões que nos transportavam para outros tempos. As cabeleiras grisalhas que se distribuíam pela plateia, misturavam-se com as indumentárias negras. Este era claramente um concerto que tocava várias gerações, que um inquérito a uma amostra aos presentes poderia facilmente comprovar.
No palco, a figura de Rother permanecia tranquila e imperturbável, à medida que discorria os acordes da sua guitarra, ligada a um sintetizador para produzir a característica distorção que ouvimos nos discos. O bombo da bateria segue marcando cada compasso induzindo os movimentos ondulantes das cabeças na assistência. Em “Flammende Herzen” escutamos um dos temas do seu primeiro disco a solo e por momentos recordamos a guitarra de Hank Marvin.
Nascido em 1950, Michael Rother nunca escondeu que, assim que se abeirou de uma guitarra, tratou de imitar os referenciais que vigoravam na pop anglo-saxónica dos anos 60 – com Clapton, George Harrison ou Jimi Hendrix, que é apontado como uma das suas maiores referências. Os cânones da música pop foram então explorados nos Spirits of Sound, com Michael Rother em início de carreira.
Atrás dos músicos, projectavam-se na tela imagens não figurativas, dúbias e desfocadas. Volta e meia passavam imagens de auto-estradas que, de forma mais ou menos inusitada, nos remetiam para o imaginário de “Autobahn”, o disco de 1974 dos Kraftwerk. Também por ali Michael Rother passou, depois de se ter cruzado com Florian Schneider e Klaus Dinger, por volta de 1971.
No final do concerto ouviam-se reacções dos que ficaram maravilhados e aqueles que digeriam alguma indiferença com o que tinham acabado de assistir, provavelmente por estarem à espera de algo diferente do que ali presenciaram. No entanto, enquanto a sala se esvaziava, iam ficando aqueles para quem o concerto tinha sido de facto especial e aguardavam um contacto com o músico de Hamburgo. Havia inclusivamente quem carregasse debaixo do braço uma relíquia em vinil negro à espera de um autógrafo.
Goste-se ou não, há um certo encantamento em assistir e estar na presença de uma figura como Michael Rother, que viveu de perto um momento tão produtivo e tão importante para o que viria a ser a música feita no futuro. Michael Rother esteve com Brian Eno nos Harmonia e não quis trabalhar com David Bowie, por discordar do caminho que o camaleão pretendia trilhar a seguir a “Low”. Que razões para além da música e do legado poderão justificar que, num fim de tarde de um domingo chuvoso, a black box do gnration se apresentasse tão quente e esgotada?