Mark Lanegan: o céu afinal é negro

Fotografia Paulo Nogueira

Fotografia Paulo Nogueira

“Did you called for the night porter? You smell the blood running warm…so let’s get it on”… Assim que soaram as primeiras palavras arrastadas da boca de Mark Lanegan, percebeu-se que este ia ser um concerto a sério, para mais tarde recordar. Abrir o ansiado espetáculo com “When Your Number Isn’t Up” só podia ser um bom prenúncio sobre o que se seguiria, e realmente assim o foi.

“Não quero deixar este céu tão cedo” é uma frase de Mark Lanegan, do disco Bubblegum, que se pode aplicar a este concerto, mas vamos por partes. Sim, porque este céu não é um céu qualquer e porque devemos começar, segundo as regras, pelo início.

Lyenn, que mais tarde ocupou o baixo, atrás de Mark Lanegan, foi quem abriu a noite, de forma simples e tímida, à exceção da última música, com direito a alguns gritos e a riffs mais animados.

Duke Garwood, que mais tarde ocupou a guitarra, à esquerda de Mark Lanegan, ficou responsável pela segunda parte do concerto, num tom profundo e intimista semelhante a Mark, que merece ser investigado e ouvido com mais atenção (nem que seja só o disco Black Pudding, que lançou em conjunto com Mark).

Para o terceiro ato, o melhor. Mark Lanegan, pois claro. Imaginem então o seguinte cenário: fundo negro, quatro homens de negro. Duas guitarras, um baixo, uma voz. Tudo negro como a poesia que se ouviria durante o resto da noite. Uma luz vermelha sobre o homem do centro, o senhor da voz perfurante. Não é a imagem tradicional de céu que temos, mas foi-o por cerca de hora e meia.

Sobre o grande pano negro que envolve o palco, consegue-se até ver e ler melhor as palavras sussurradas pela voz e imaginar as paisagens que elas nos trazem. O som está perfeito.

Quem está nas primeiras filas quase que consegue sentir o hálito a whiskey de Mark Lanegan (com um pouco de imaginação tudo é possível), que se encosta ao microfone para todo o concerto.

Bastou ouvir o aplauso ao fim do primeiro tema para se perceber que o público já estava conquistado à partida e perdoa-se a Mark o facto de se limitar a cantar e a dizer “obrigado” no final dos temas, porque quando se está perante um dom como esta voz, calar-se, ouvir e apreciar, é tudo o que se pode fazer.

Quem foi ao concerto com a palavra grunge na memória, saiu desiludido. Do grunge em Mark pouco restou, apenas o cabelo e ganga da roupa. Um ou outro tema roçou a leveza de Above, dos Mad Season, projeto do qual Mark fez parte, mas os dedilhados das guitarras caminharam principalmente pelo blues e pelo rock do interior da vasta nação americana.

Entre temas dos mais adorados Bubblegum e Blues Funeral, dos mais antigos Whiskey for the Holy Ghost, aos mais recentes Imitations (a doce versão de “You Only Live Twice” conhecida dos filmes de James Bond) e Phantom Radio (“I Am the Wolf”), o público lá gastou os aplausos que tinha guardado durante anos para agradecer a Mark a companhia nas noites mais duras. “One Way Street”, “The Gravedigger’s Song”, “I’ll Take Care of You”, “One Hundred Days”, foram alguns dos temas mais ovacionados.

Uma breve paragem e um regresso para mais cinco temas. Entre eles o triste mas belíssimo “Torn Red Heart” de Phantom Radio, o mais alegre “Mescalito” de Black Pudding e “Driver” do mesmo disco.

No final pouco resta da plateia, despida por toda a poesia negra que lhe invadiu a alma. Vai-se para casa com a ideia que o céu é negro e que isso não é mau de todo.