“Did you called for the night porter? You smell the blood running warm…so let’s get it on”… Assim que soaram as primeiras palavras arrastadas da boca de Mark Lanegan, percebeu-se que este ia ser um concerto a sério, para mais tarde recordar. Abrir o ansiado espetáculo com “When Your Number Isn’t Up” só podia ser um bom prenúncio sobre o que se seguiria, e realmente assim o foi.
“Não quero deixar este céu tão cedo” é uma frase de Mark Lanegan, do disco Bubblegum, que se pode aplicar a este concerto, mas vamos por partes. Sim, porque este céu não é um céu qualquer e porque devemos começar, segundo as regras, pelo início.
Lyenn, que mais tarde ocupou o baixo, atrás de Mark Lanegan, foi quem abriu a noite, de forma simples e tímida, à exceção da última música, com direito a alguns gritos e a riffs mais animados.
Duke Garwood, que mais tarde ocupou a guitarra, à esquerda de Mark Lanegan, ficou responsável pela segunda parte do concerto, num tom profundo e intimista semelhante a Mark, que merece ser investigado e ouvido com mais atenção (nem que seja só o disco Black Pudding, que lançou em conjunto com Mark).
Para o terceiro ato, o melhor. Mark Lanegan, pois claro. Imaginem então o seguinte cenário: fundo negro, quatro homens de negro. Duas guitarras, um baixo, uma voz. Tudo negro como a poesia que se ouviria durante o resto da noite. Uma luz vermelha sobre o homem do centro, o senhor da voz perfurante. Não é a imagem tradicional de céu que temos, mas foi-o por cerca de hora e meia.
Sobre o grande pano negro que envolve o palco, consegue-se até ver e ler melhor as palavras sussurradas pela voz e imaginar as paisagens que elas nos trazem. O som está perfeito.
Quem está nas primeiras filas quase que consegue sentir o hálito a whiskey de Mark Lanegan (com um pouco de imaginação tudo é possível), que se encosta ao microfone para todo o concerto.
Bastou ouvir o aplauso ao fim do primeiro tema para se perceber que o público já estava conquistado à partida e perdoa-se a Mark o facto de se limitar a cantar e a dizer “obrigado” no final dos temas, porque quando se está perante um dom como esta voz, calar-se, ouvir e apreciar, é tudo o que se pode fazer.
Quem foi ao concerto com a palavra grunge na memória, saiu desiludido. Do grunge em Mark pouco restou, apenas o cabelo e ganga da roupa. Um ou outro tema roçou a leveza de Above, dos Mad Season, projeto do qual Mark fez parte, mas os dedilhados das guitarras caminharam principalmente pelo blues e pelo rock do interior da vasta nação americana.
Entre temas dos mais adorados Bubblegum e Blues Funeral, dos mais antigos Whiskey for the Holy Ghost, aos mais recentes Imitations (a doce versão de “You Only Live Twice” conhecida dos filmes de James Bond) e Phantom Radio (“I Am the Wolf”), o público lá gastou os aplausos que tinha guardado durante anos para agradecer a Mark a companhia nas noites mais duras. “One Way Street”, “The Gravedigger’s Song”, “I’ll Take Care of You”, “One Hundred Days”, foram alguns dos temas mais ovacionados.
Uma breve paragem e um regresso para mais cinco temas. Entre eles o triste mas belíssimo “Torn Red Heart” de Phantom Radio, o mais alegre “Mescalito” de Black Pudding e “Driver” do mesmo disco.
No final pouco resta da plateia, despida por toda a poesia negra que lhe invadiu a alma. Vai-se para casa com a ideia que o céu é negro e que isso não é mau de todo.