Em 2015, os Mão Morta cumpriram 30 anos de carreira e o Theatro Circo fez cem anos. A direcção da emblemática sala de espectáculos de Braga apresentou uma programação que durou um ano inteiro. Nesse programa, não poderia faltar a presença da banda que, tendo granjeado um estatuto de importância nacional, não se dissocia da cidade. Por tudo isso, foi encomendado um concerto conjunto dos Mão Morta com o Remix Ensemble, da Casa da Música.
As músicas do grupo começaram a ser transcritas para pauta. Esse trabalho foi entregue a Telmo Marques, que tratou também de escrever as orquestrações e os arranjos para a versão orquestral das músicas dos Mão Morta. O resultado foi mostrado ao público num concerto no Theatro Circo, no dia 15 de Abril. O espectáculo Mão Morta + Remix Ensemble seguiu nos dias seguintes para Coimbra, Lisboa e Porto.
As músicas da banda foram ouvidas como seria difícil de imaginar. O registo sinistro conhecido dos Mão Morta ganhou uma nova dimensão, como se uma pintura se fosse desprendendo da tela em camadas. O alinhamento percorreu toda a carreira desde o álbum inaugural dos Mão Morta, de 1988, até ao último disco de 2014 – Pelo Meu Relógio São Horas de Matar.
É importante perceber que este não é um concerto qualquer, mas que vai além da mera formalidade que a data poderá sugerir. Independentemente do público a quem agrada a música e o registo da persona de Adolfo Luxuria Canibal, é inquestionável que os Mão Morta são hoje uma das bandas incontornáveis de qualquer descrição que se possa fazer da música portuguesa das últimas décadas.
Durante os cerca de 90 minutos de duração do concerto, os Mão Morta e o Remix Ensemble revisitaram catorze temas. O palco do Theatro Circo estava literalmente dividido – elementos do ensemble de um lado e os Mão Morta do outro, separados por uma parede invisível de acrílico. O cenário mostrava as paredes pretas da caixa do palco, completamente despido, apenas se vislumbrando as estruturas onde estavam presos os projectores de luz, dando a ideia de um ar pós-industrial decadente.
Os temas dos Mão Morta, com o Remix Emsemble, dirigido pelo Maestro Pedro Neves, ganharam texturas mais agressivas, por vezes ajudado pelas poses dramáticas de Adolfo Luxuria Canibal, como aconteceu em “Pássaros a Esvoaçar”. Em “Tu Disseste” o tema desenhou tonalidades sinistras mais salientes. A marcha de “Tiago Capitão” terminou numa cacofonia de tirar o folego. “Destilo Ódio” foi inquietante, durante dez minutos.
O concerto terminou com “1.º de Novembro”, o tema lançado originalmente na compilação À Sombra de Deus, em 1989. Não houve espaço para muitas palavras, apenas os agradecimentos à vetusta casa de Braga. Além da celebração que se pretendia assinalar, este concerto de Mão Morta ganhará uma importância simbólica, que é também histórica. Por isso, não seria de estranhar que o registo merecesse uma edição discográfica porque, de facto, a ocasião e sobre tudo a obra o justificam.
Créditos fotográficos © Paulo Nogueira