Passaram 23 anos desde o primeiro festival Paredes de Coura e muito mudou. Mas não a familiaridade com que as coisas são tratadas. Conversámos com o director do festival sentados na relva da praia fluvial do Taboão. A entrevista foi várias vezes interrompida. Coura cresceu mas não deixou de ser o festival que João Carvalho faz “em casa”.
Ócio – Uma das características do Paredes de Coura é o seu ambiente muito familiar. Como é que se faz o equilíbrio entre manter esse ambiente familiar e o crescimento do festival?
João Carvalho – No fundo, isso vai passando de umas pessoas para as outras. As pessoas percebem que isto [que o festival] é um festival de relações, onde facilmente se vai à tenda vizinha, independentemente de conhecer ou não as pessoas, conversar, pedir uma bebida ou pedir alguma coisa que falte para a refeição. Isso vai-se transmitindo entre as pessoas. Nós também fazemos por isso. O festival é uma extensão da nossa forma de estar na vida e procuramos transmitir isso. Em 23 anos de festival nunca houve quezílias. Deve ser o único festival em que nunca houve um incidente digno desse nome. Além disso, temos a componente do Festival Sobe à Vila, com a qual pretendemos que as pessoas criem uma relação afectiva ainda maior com as pessoas do concelho e que venham uma semana em vez de quatro dias para o festival.
Isso também faz parte daquilo que vocês têm a dar a Paredes de Coura.
Nós somos todos de Paredes de Coura e, por isso, conhecemos as pessoas e sabemos das dificuldades por que elas passam também. Não fazemos essa semana do Festival Sobe à Vila só para ajudar o comércio, porque também achamos importante ter essa relação afectiva com a vila. Mas matamos dois coelhos de uma cajadada e ajudamos um comércio que passa por dificuldades durante o ano. Não esqueçamos que, apesar de todo o retorno que tem a marca Paredes de Coura, este é um concelho com as dificuldades que têm os outros concelhos do interior: falta de acessos, pouco emprego, uma economia pequena, pouca indústria. Portanto, esta também é uma forma de ajudar as pessoas e de as animar Não é só o comércio que fica contente com essa semana extra. São também as pessoas das aldeias que vêm à vila, que têm outro colorido e têm com quem conversar.
Este ano há uma proposta no cartaz que acentua essa ligação com Paredes de Coura, que é o concerto de We trust com o que vocês designaram Coura All Stars, que abre o primeiro dia do festival. Como surgiu essa ideia?
A Escola do Rock foi uma iniciativa da Câmara que correu muito bem. No ano passado tocaram no palco do Sobe à Vila e, este ano, achámos que devíamos também ter algo para que as pessoas de Paredes de Coura se sintam ainda mais perto do festival. Chegamos à conclusão que era bom fazer um espetáculo que incluísse pessoas de Coura. São mais de cem miúdos que, de certeza absoluta, daqui a 40 anos, terão o passe de artista guardado e recordarão este momento. As pessoas de Paredes de Coura são aquelas que conhecemos de mais de perto e vê-las felizes é uma coisa que nos agrada.
Paredes de Coura programou sempre bandas portuguesas até numa altura que os outros festivais tinham uma certa vergonha de o fazer, mas este ano há mais portugueses do que nos últimos anos no cartaz. Porquê?
Houve anos em que eu tinha dificuldades em escolher três bandas portuguesas, este ano tenho dificuldades em escolher dez. Eu acho que estamos a passar por uma fase muito criativa. Há bandas muito, muito interessantes. Tenho pena de não poder andar pelo país a ver bandas ao vivo, porque também gosto de ver as bandas ao vivo antes de os contratar. Recebo muita coisa e, às vezes, é difícil dizer que não a muitas bandas, porque têm qualidade e teriam espaço em Coura. No futuro, queria ver se conseguia um novo palco onde pudéssemos pôr essas bandas portuguesas, mas sem as tornar secundárias.
Depois de dois anos praticamente esgotados, este ano estás à espera de ter a mesma procura do público?
Sim, esperamos a mesma quantidade de público. Mas o objectivo do festival não é esgotar. De repente parece que se não esgotares as coisas não correm assim tão bem. Não estamos nesse campeonato.
O que é para ti mais importante então?
É a coerência na programação e é ter casa cheia, claro. Esperamos o mesmo número de pessoas do ano passado. Fizemos algumas alterações no espaço e o anfiteatro alberga agora mais 3000 pessoas, mas não queremos de forma nenhuma vender mais 3000 bilhetes. Queremos é permitir que as pessoas que vieram no ano passado tenham mais comodidade. Queremos que o festival seja para as mesmas pessoas que estiveram aqui no ano passado e que elas saiam daqui felizes e sem queixas.
Com que antecedência é que vocês começam esta operação logística?
No terreno, começamos um mês antes. Mas começamos a passar as coisas para o papel em Dezembro. Este é um festival que dá trabalho durante todo o ano. O trabalho divide-se em duas partes. Primeiro é a contratação, que é onde nos empenhamos mais e onde há os maiores stresses. Não é uma coisa fácil: o mundo é grande, há muitos concertos. Na altura de Paredes de Coura há muitos concertos na outra ponta da Europa e nem sempre as bandas estão disponíveis. Depois a logística no terreno.
A equipa fixa são quantas pessoas? E no pico do festival?
Fixas são 13 pessoas. Neste momento, temos 1600 pessoas a trabalhar na altura do festival.
Qual é o orçamento para este ano?
São 3,3 milhões de euros, que é mais do que no ano passado. Apostámos mais um pouco em bandas e o cartaz é mais caro do que no ano passado. Também há algum investimento maior em infra-estruturas.