Pode o homem que compôs a Madalena, cantada por Elis Regina, envolver uma plateia de 3500 pessoas num longo e arrastado bocejo? Pode. Pode, um homem que compôs para Ella Fitzgerald, Barbra Streisand, Sting, Michael Bublé, ser responsável por um espetáculo de mediania a roçar o medíocre? Pode. Foi ontem, no Multiusos de Guimarães. Muito discurso sobre a importância da cultura. Sem dúvida, é preciso dizer que a cultura tem de ser preservada da mesma forma que as florestas, como Ivan disse, mas ao artista cabe, em primeiro lugar, dignificar a sua música para que o público lute pela sua preservação. O artista deve falar pela sua arte, e se a sua arte não é o discurso, quanto menos se disser, melhor. Alguns momentos potáveis com Raquel Tavares e Paulo Flores, um pouco mais salobros com Paulo de Carvalho, e uma orquestra, festivaleiramente dirigida por Rui Massena, proporcionaram a mais memorável festa paroquial a que assisti, onde o momento mais alto foram trocas de galhardetes entre os artistas convidados e o anfitrião emocionado por estar na terra dos seus antepassados, gravada no seu nome, como a CEC também quis enfatizar nos bilhetes, esgotados, aliás (com tanto bom espetáculo às moscas, de graça, por aí, e aos pontapés). O som apimbalhado do sintetizador de Lins, na modorra acústica de um Multiusos mais nascido para Mickael Carreira que para o autor de “Lua Soberana”, irrompia da calmaria de uma orquestra capaz do melhor, mas limitada pela falta de gosto de um maestro que pensa estar sempre a tocar para parolos – e talvez esteja (não tenho acesso aos dados do parolómetro a que ele terá acesso). Uma música religiosa a que só faltou a fila para as óstias e uma patriótico-melosa, que no original terminará, com certeza, com um pavoroso “Meu Brasil” e aqui traiçoeiramente trocado por um ainda mais pavoroso “Meu Por-tu-gal” (mornamente aplaudido por um público facilmente adulável), foi o cume da parolice paroquial. A música brasileira merecia melhor, Guimarães merece melhor. E Ivan, que merece o meu respeito, merece que lhe digam a verdade. Este concerto foi bosta mesmo.