A banda de Barcelos chega ao terceiro disco e baralha todos os elementos que fizeram parte do seu percurso. Em “Ophelia”, o novo disco, ligam-se os pontos entre os seus contrários. É um disco feito de opostos em que a sua leitura poderá ter aplicação na vida quotidiana, ou nos desvarios da mente. O disco foi lançado a 31 de Outubro e a banda está a preparar um concerto de lançamento, no dia 2 de Dezembro, no Hard Club, no Porto. Falamos com Afonso Dorido sobre as várias facetas do disco.
ÓCIO: Com “Odyssea”, o disco de 2013, o som de indignu [lat.] alargou-se com a introdução de novos instrumentos. Como chegaram ao ponto do processo, após “Fetus In Fetu”, em que decidiram que o vosso som precisava deste alargamento?
Afonso Dorido: Foi algo inconsciente. A entrada da Graça Carvalho abriu outros horizontes e como nunca fazemos discos iguais, houve a introdução de vários instrumentos, especificamente no “Odyssea”. Foi natural e só nos apercebemos que o nosso som se tinha alargado imenso quando estávamos a gravar o disco. Claro que, objectivamente, demos voz aos instrumentos e relegamos, pelo menos para já, palavras escritas em letras convencionais. Pois a lírica continua ligada ao nosso trabalho.
Adoptaram um imaginário épico que facilmente associamos aos clássicos da literatura, desde logo pelo título. Aliás a própria embalagem do disco adopta a estrutura e a forma de um livro. Qual é a descrição que fazem da narrativa do disco?
O “Odyssea” é uma viagem. Em disco, em palco e tudo se agiganta. Pelo menos tentamos ser coerentes com essa premissa, de que nada pode ser igual depois de uma viagem que marca e fica cravada. Tanto para qualquer pessoa, como para a própria banda.
Acabam de lançar um disco novo “Ophelia”. No processo da sua concepção, em que altura surge a ideia para o conceito que está por trás do disco?
No caso do “Ophelia” surgiu com um tema, em plena composição do disco. Não há uma altura linear para isso acontecer.
Mantém-se o tal registo épico e mantêm também a equipa de produção com o Paulo Miranda e naturalmente o músicos da banda. Há alguma leitura de continuidade nestes dois tomos?
Há continuidade num dos pólos do “Ophelia”. Os arranjos, a luz que os temas transportam, a gravação, o épico que já estava presente no “Odyssea”…
Haverá, por outro lado, pontos de ruptura entre “Odyssea” e “Ophelia”?
Como comecei por dizer, não fazemos discos iguais. Há um dos lados/pólo de “Ophelia” que rompe claramente com o “Odyssea”. Pelo psicadelismo, pela excentricidade, por novos ritmos que vai buscar. Um dos dos lados de “Ophelia” é o regresso ao rock visceral. Há algo de “Fetus in Fetu” e “Odyssea” neste disco, o que o torna de certo modo um disco desconcertante que pode muito bem surpreender à primeira audição de um dos lados. O “Ophelia”, não é simplesmente um disco de uma face. Ele contempla dois hemisférios, duas faces… É bipolar da cabeça aos pés.
No texto que apresenta o disco faz-se referência a essa bipolaridade. Há alguma ligação ao filme de Jorge Pelicano – “Pára-me de Repente o Pensamento”?
Não há ligação objectiva a esse filme. Porém as perturbações psicológicas e as criações artísticas estarão sempre ligadas. É mais uma direcção cosmopolita, de que as nossas variações e inconstâncias estão cada vez mais expostas, pela nossa correria e ausência de espaços internos para respirar.
Esse fascínio das artes pela degenerescência dos comportamentos humanos – a biloparidade, a demência, as exploração das alterações de discernimento, introduzidas por alucinogénios, são algo que permanece desconhecido mas que apaixona artistas e serve de inspiração para a sua forma de expressão artística. Estamos perante um caso destes com “Ophelia”?
Sim. O lado de “Ophelia” que rompe com o que estamos habituados, ou à espera de ouvir de indignu, aborda precisamente essas alterações psicológicas. O psicadelismo é uma das vertentes do disco. Está bem patente onde as guitarras definitivamente reinam não tanto em delay ou em reverb mas em wah-wah ou em phaser.
Com “Odyssea”, o disco anterior, optaram também por passar a grafar o vosso nome com o sufixo [lat.]. Deve haver pessoas curiosas por saber por que o fizeram…
É uma questão estética e simultaneamente de viragem nas texturas sonoras da banda. O “Odyssea” foi um marco incontornável, há um antes e um depois, e o sufixo faz parte desse novo fôlego. Pretendemos manter essa estética, mas sem nunca deixarmos de experimentar novas coisas e sem nunca deixar de arriscar novos caminhos, coisa que o “Ophelia” apresentará sem mácula num dos seus lados.