Foi o filme “24 hour party people”, de Michael Winterbottom, que mitificou a frase “Go forth and preach the gospel” (referência bíblica que traduzimos livremente no título). Quem a diz é o jornalista Tony Wilson, depois mentor da Factory e da Haçienda. O que é que isto tem a ver com a Missa do Galo, que aconteceu na noite de 25 de Dezembro, no CAAA, em Guimarães? Nada. E se calhar muita coisa. Guimarães está bem longe de ser a Manchester do final dos 80’s e início dos 90’s, mas há uma certa vibração de “cena” musical a perpassar a cidade. E quando um dos marcos essenciais deste movimento dá pelo nome de “missa”, não há como não associar as duas referências religiosas.
Ao terceiro ano, a Missa do Galo tornou-se incontornável. O que começou por ser um encontro de amigos com vontade de tocar no dia de Natal, está a tornar-se no melhor momento para sentir o pulso à cidade. À música que dela está a sair – porque ao contrário da Missa do Coelho, o primo pascal deste micro-festival, aqui só tocam projectos vimaranenses –, mas também ao público. O que é habitué destes eventos na cidade e o que vem por curiosidade ou simplesmente porque não há muito mais o que fazer nesta noite. Dir-se-ia, sem exagero, que é impossível perceber o que se está a passar em Guimarães em termos musicais sem vir aqui.
A noite arrancou com Ana Sofia Ribeiro em palco para apresentar o seu projecto a solo LINCE praticamente em primeira mão. Depois de um primeiro showcase em Lisboa no início do mês, a cantora e compositora estreou-se em Guimarães, perante família e amigos. Já conhecíamos “Call me home” e “Earth Space”, os dois primeiros avanços para um EP que deverá sair no início do ano, mas pudemos também ouvir as outras canções que farão parte desse registo. Sozinha em palco, Sofia fez brilhar a sua incrível voz, em versões despidas das composições, às quais conseguimos adivinhar novas camadas e um registo mais eletrónico na versão que sairá em disco. Um bom cartão-de-visita para o ano que aí vem.
Da mais recente adição ao cardápio de projectos musicais de qualidade com o selo “made in” Guimarães, passámos para os veteranos smartini. O quarteto das Taipas parece ter sido positivamente afectado com o movimento de novas bandas que surgem na cidade e regressou de uma “hibernação” que durava há sete anos com “Liquid Peace”, EP editado este ano. O que é intrigante desse registo estende-se para o concerto: o rock musculado, granítico mesmo, está carregado de referências ao movimento alternativo dos anos 90 (desde logo a Sonic Youth), mas há alguma coisa que o torna relevante e cativante em 2016. Talvez não façam nada radicalmente novo, mas não há muitas outras bandas como eles a mostrarem como se constrói uma muralha sonora.
O encerramento estava a cargo dos Paraguaii, a banda anfitriã. Foram eles que começaram este fenómeno da Missa do Galo, um pouco de forma involuntária. E se os concertos são em sua casa, devem ser eles a encerrar a noite. Mas há outro motivo a justificar que o trio seja “headliner”: tiveram um grande ano e estão num momento de forma impressionante. Justificaram-no plenamente no arranque vigoroso do concerto. Já levámos mais de uma mão cheia de actuações destes três rapazes e talvez tenha sido a mais consistente e madura. A reacção do público ao desfilar dos singles que fizeram de “Scope” um dos discos do ano em Portugal sublinhou apenas um facto claro: os Paraguaii são uma banda em êxtase. Depois do que terá sido o último concerto de promoção do seu primeiro longa-duração, aguardamos pelos caminhos novos que se abrirão no segundo disco.