A noite de ontem foi memorável no Vila Flor, onde a Orquestra do Norte teve o ensejo de tocar o Concerto Para Violino e Orquestra em Ré Menor, Op.47. de Jean Sibelius, tendo como solista no violino o intérprete vimaranense Emanuel Salvador. Já vi nesta mesma sala uma cantora lírica de grande fama, também ela vimaranense (mas envergonhada), a responder de forma educada e fria ao calor dos aplausos dos seus conterrâneos, fosse nas palavras fosse na execução musical onde se limitou a cumprir os mínimos olímpicos – o que não é mau, mas não chega para ave canora da sua envergadura. Emanuel Salvador, porém, sendo digno filho deste chão, tem respondido com um evidente amor pela gente da sua terra, esta mesma gente que nem sempre enche salas para ouvir música erudita-clássica-ou-assim, mas que nunca deixa no seu estádio de futebol o lugar para uma mosca. O amor de um intérprete pelo seu público sente-se de forma visceral nas mais pequenas e simples peças musicais e, perante um público ainda não muito sofisticado, que é o de Guimarães, um público que ainda bate palmas a entre os andamentos do concerto, Emanuel trouxe, citando eu alguém que o ouviu ontem, uma experiência sonora que vai do estremecer mais sublime a uma vibração quase orgásmica. Só há este género de fruição física quando a entrega e o respeito íntimo do intérprete pelo seu público se transmite àquelas mesmas cordas com que ata os ouvintes ao esquecimento do tempo, o que é difícil, sendo a música feita de tempo. A dificuldade técnica para os solistas deste concerto é proverbial e, não sendo eu capaz de tocar o Hino da Alegria com uma flauta de bisel, sou minimamente bom ouvinte e capaz de dizer algumas banalidades próprias de quem, alheio aos tratos de polé a que são sujeitos os dedos do violinista, sentiu, num primeiro andamento, a sensualidade atormentada desta música ganhar um brilho romântico sempre a oscilar entre a expressividade da melodia e uma tensão de fundo estonteante. O segundo andamento aliou a clareza de leitura com o excesso sentimental. E o terceiro, menos piegas e de um virtuosismo louco, acordou-me para o espanto partilhado por uma sala que soube rebentar os diques da contenção perante um exercício de entrega admirável de um justo motivo de orgulho para a cidade. O concerto, dirigido por um carismático Philipe Bender à frente da, já estabelecida na nossa reverente consideração, Orquestra do Norte, incluiu ainda a Abertura Ruslan e Ludmila de Glinka e a suite sinfónica Scheherazade, de Rimsky-Korsakov, cujo brilhantismo russo e popular foi servido com a devida consideração emocional a quem ainda trazia os olhos ensombrecidos pelas paixões recalcadas e latentes do concerto de Sibelius. Memorável.