Demos-lhe corda. Úria cantou.

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Samuel Úria regressou na passada sexta-feira, 3 de junho, a Vila Nova de Famalicão. Para o concerto na Casa das Artes, trazia na bagagem o novo “Carga de Ombro” e a alma dividida entre o folk, o rock e o gospel.

Partilhando o palco com Miguel Ferreira (Clã), produtor e companheiro de estrada nesta série de concertos de apresentação do novo trabalho a solo, Úria, um dos cantautores mais promissores da atualidade nacional, aqueceu-nos a alma com o dom de escrever e utilizar o português como poucos autores o conseguem. Assim como já nos habituou.

E na verdade, não foi preciso ‘dar-lhe corda’. Estamos no Norte e como segunda casa que é de Samuel Úria – palavras do próprio -, o Norte acolheu-o numa noite quente de primavera onde se cantaram histórias e canções.

Eu tinha a corda na garganta afinada em dó/ E outra corda no pescoço com um windsor knot/ Aperaltado alternativo a aspirar o Pop/ Mas com fascínio travestido de mulher de Ló

Os agradecimentos entram cedo em cena, após o aplauso quente e acolhedor do grupo que entoou o primeiro single do novo trabalho logo que os primeiros acordes soaram. Seguiram-se outros tantos novos hinos – a doce “Vem por mim” – cântico de confiança e fragilidade -, “Repressão” – onde o rock marca o compasso, e a palavra de ordem é a Agitação –  ou mesmo a harmoniosa e gospeliana “Ei-lo”, onde Úria parece suplicar por um profeta perdido no tempo, em busca de resposta para os dilemas que assolam o corpo e a alma.

Eu já lá estava pra te negar/ Mas porque negaste tu próprio a missão/ De te defenderes?/ Eu sei bem que eras capaz/ No vai ou racha foste a rachar/ Corpo quebrado e mudo

Entre deambulações e prosas animadas, Samuel Úria foi preenchendo o tempo com histórias e curiosidades que, naquele ambiente intimista, arrancaram sorrisos e pedidos especiais – Teimoso não foi esquecida, e o público que a pediu, ajudou também a entoar a teimosia do moleque.

Eu já não sei inventar-me/ É só mais do mesmo/ Fermento em massa de autismo/ Eu nem de mim já me pasmo/ Há mar e marasmo/ Há ir e voltar aforismo

Do sétimo trabalho, “É preciso que eu diminua”, tema temperado com a dose certa de ironia, parece ser uma das preferidas do público, que não deu descanso aos pés, acompanhando o swing e passos marcados de Úria.

No novo disco há canções com melodias fortes e cadenciadas, letras sonantes e proféticas que se transpõe para o palco que Úria enche com a sua versatilidade lírica e musical, abraçando o público num jogo de sons e palavras. Novas canções vêem-se trabalhadas em novos arranjos, e trabalhos passados são recuperados com o encanto de sempre.

Empresta-me uma chávena de sal/ e mostra-me a receita do caldo lacrimal./ é só o tempo de te convencer/ que nem precipitado consigo chover.

Acompanhado pelo espírito do também nortenho Manel Cruz – “acho que vi o Manuel passar ali” comenta um espectador após o último acorde -, a interpretação de “Lenço Enxuto” – tema que integra O grande medo do Pequeno Mundo –marcou um dos momentos mais belos da noite. O espaço (já) pequeno da Casa das Artes, mais pequeno se tornou com o ressoar do talento da voz pura de Úria.

A noite pareceu curta e o palco pequeno de mais para a grandeza da alma poética de Samuel Úria. Mas fica a sensação de que este é um cantautor que no palco faz jus ao seu trabalho em estúdio, e que o passar do tempo tem vindo a ajudar a maturar. Ele não quer, mas nós deixamos: Samuel Úria continua a crescer.