No espaço de poucas semanas várias bandas da cena musical vimaranense que vão lançar novos trabalhos. This Penguin Can Fly editam o seu primeiro LP, “Caged Birds Think Flying is a Desease”, no início de Abril; El Rupe regressam aos discos na mesma altura com “Suite 3,14”, um ano e meio depois de “Walking Through”; já os Paraguaii mostram a sua irrequietude e, no final do mês e cerca de um ano após “Scope”, lançam “Dream About The Things You Never Do”.
Pela quantidade, qualidade e diversidade da música que se faz por estes dias em Guimarães, estão são certamente tempos extraordinários. Esta reflexão não é, porém, sobre a vitalidade artística da cena vimaranense. Este é um texto sobre o compromisso ético deste movimento.
No primeiro dia do mês, os El Rupe apresentaram “Tropical Geometry”, primeiro single do novo álbum. Coincidentemente, o primeiro avanço do segundo longa duração dos Paraguaii começou a poder ser ouvido na página bandcamp da banda no mesmo dia – entretanto, foi estreado o vídeo que oficializa “Straight or Gay” como cartão-de-visita do novo registo do trio. Esta coincidência permitiu notar um facto, seguramente não consensualizado, que é comum aos dois trabalhos: ambos aliam a valia criativa a um conteúdo político que nem sempre vemos plasmado no intenso panorama indie nacional.
“Suite 3,14” é um manifesto ecologista. Pensado, à semelhança do primeiro álbum do El Rupe, como uma única peça, quase um disco conceptual. Ao tomar o termo suite emprestado à música clássica reforça essa mesma ideia. A banda prossegue o caminho de cruzamento entre o jazz e o rock, que a tornam num dos mais inclassificáveis organismos da novíssima música nacional.
O que diferencia o novo trabalho dos El Rupe é a percepção mais clara de qual o conceito na base do disco. Ora, 3,14, como todos aprendemos na escola, é o número “pi”. E o que em o disco sustenta é a ideia de perfeição do funcionamento dos ecossistemas – com um sublinhado visual no vídeo de “Tropical Gemometry” – de que as várias manifestações deste número na natureza são a principal expressão.
Quanto aos Paraguaii, a letra de “Straight or Gay” é directa, quase esquemática. Mas essa crueza acentua o posicionamento ético da banda no lançamento do seu novo álbum. O primeiro avanço não é só um gesto contra a homofobia, é também um festo contra a normalização, as imposições. Nos tempos que correm, entre discursos fascistas que pululam um pouco por todo o lado e as imposições normalizadoras do mercado e das narrativas dominantes – que tocam muito fortemente o mundo da música e o indie em particular – isto é uma lufada de ar fresco.
O single pode também ser visto como uma reposta antecipada dos Paraguaii a todas as críticas que podem surgir face à viragem algo radical no percurso da banda: pousaram as guitarras e decidiram explorar o pop, a eletrónica e viajar aos anos 80. Fazem-no porém sem abandonar o registo espacial que era uma das marcas de “Scope”.
Os temas de El Rupe e Paraguaii são dois objectos artísticos do seu tempo. Só quem estiver distraído do que se está a passar no mundo (a América, pois, mas também a Europa e não muito longe de nós) deixa escapar o grau de compromisso ético destes com o mundo. E se é uma fortuna ver a energia da cena musical vimaranenses, é ainda maior motivo de satisfação perceber o compromisso ético da música que aqui se faz.