Raul Brandão era um grande escritor…

Só quem assistiu ao filme de João Canijo hoje no São Mamede poderá perceber bem o sentimento. O filme sobre Raul Brandão foi feito na terra onde ele viveu, Nespereira, com gentes da terra que falam da sua memória, e boa parte dessa gente na plateia.

No filme a dualidade de um Minho bucólico e a imagem exacta de uma paisagem devassada. Um território desconexo, cujo encanto pausado das palavras que o imortalizaram noutro tempo (no tempo das árvores e da beleza das pedras sem mais ao redor que não fosse a calma dos pastos), se vai desfigurando pelo barulho e o corte profundo das estradas, pelo amontoar de casas sem ordem, uma arquitectura feia, desordenada e triste.

Há no filme a identidade de um povo, e há na plateia esse povo que a recusa, assim esventrada, exposta e fria – há a portuguesa vergonha do que somos.

Mais que um filme sobre Raul Brandão é um filme sobre as gentes e a sua relação com a sua cultura e o seu legado – uma realidade que seria verdadeira em Nespereira ou em qualquer outra parte do país. Uma pálida memória, um orgulho num fantasma que não se conhece.

E à boleia disso um retrato do Minho, com matanças de porco e vinho, e casas por dentro, a intimidade caseira de quem convida para a mesa e fica à conversa sem cerimónia. É bonito olhar os rostos das pessoas, sobretudo aqueles mais sulcados, observar-lhes as maneiras e atentar nos gestos e nas suas mãos, ouvir-lhes a pronúncia, as palavras mal ditas, a falta de pudor na ignorância. Mas talvez as pessoas não aceitem (sempre) bem ver-se assim tal como são. O filme causa em alguns esse amargo de boca, a mim soube-me bem.