Decorre por estes dias a primeira edição do CineTrofa, Festival Internacional de Cinema e Literatura da Trofa, que certamente passará despercebida a todos os cinéfilos por esse país fora que não sejam trofenses. Vem isto a propósito de uma pergunta que já me foi feita por várias vezes, em diferentes circunstâncias, por conhecidos e anónimos que me abordam com uma crónica pergunta: “Porque razão é que Guimarães não tem um festival de cinema?”; ao que eu sempre respondo: “Para quê?!”
Sem se dar muito bem por isso, na última década e meia, os festivais de cinema começaram a multiplicar-se pelo nosso país afora como coelhos. Um pouco por todo o país, cidade ou vila “que se preze” criou ou seu próprio festival de cinema, dotado de maior ou menos orçamento, conquistando maior ou menor visibilidade mediática, tendo maior ou menor número de espectadores. A maior parte deles surgiram sobretudo por razões políticas (para mostrar obra cultural por parte das autarquias locais) ou económicas (como um negócio para empresas de comunicação ou organização de eventos que impingem essas coisas às autarquias ou às regiões de turismo), e poucos pela mais necessárias das motivações: promover a cultura cinematográfica e a cinefilia.
Veja-se agora o caso prático de Vila Nova de Famalicão, aqui ao lado e com uma dimensão geográfica e populacional semelhante à nossa. Quem fará mais pela cultura cinematográfica local?
resposta a) o Famafest – Festival de Cinema e Vídeo de Vila Nova de Famalicão, que uma vez por ano, durante uma semana, programa uma overdose de cinema em sessões contínuas e que entretanto parece que acabou?
resposta b) o Cineclube de Joane, que celebrou o ano passado 20 anos de existência e exibe regularmente durante todo o ano uma programação eclética e de qualidade a baixo custo para os cinéfilos e demais espectadores interessados?
A resposta parece-me óbvia..
Outro exemplo: O recém-criado Porto/Post/Doc, um festival internacional dedicado ao documentário que está sedeado na cidade do Porto, cuja primeira edição se realiza no final deste ano, percebeu isso e teve o bom-senso de ir preparando o terreno com a realização de sessões regulares semanais, a iniciativa “Há Filmes na Baixa”, que permitem uma eficaz fidelização de um público que quer ver cinema de forma regular durante todo o ano e não apenas em uma ou duas semanas de sessões intensivas de manhã até à madrugada seguinte, uma vez por ano… Por outro lado, verificamos também que os grandes festivais de cinema em Portugal não são ilhas isoladas mas, pelo contrário, apoiam-se em estruturas permanentes com uma ligação estável à sua zona de intervenção: o IndieLisboa tem a associação Zero em Comportamento, o DocLisboa tem a Apordoc, o Curtas Vila do Conde tem a Agência da Curta Metragem, e por aí adiante;
Durante quase três décadas, Guimarães teve um dos mais importantes festivais de cinema de amadores do país, um evento organizado pelo Convívio e que contava com a mobilização do movimento associativo. Um evento organizado por amadores para amadores que conquistou com mérito o seu espaço e a sua influência, ajudando a promover não só o cinema de amadores mas também a cultura cinematográfica. No entanto, esse evento nasceu de um contexto próprio, contribuindo para a afirmação de uma oposição cultural num regime ditatorial que tentava normalizar as práticas artísticas e culturais.
Ultimamente, a “cultura” vem-se transformando num negócio lucrativo para alguns sectores empresariais, mas isso não pode trazer também consigo um esvaziamento ou uma infantilização das práticas culturais e artísticas. A cultura não é algo que se alimente de eventos mediáticos onde se gasta numa semana um orçamento que poderia sustentar, noutros moldes mais razoáveis e modestos, uma programação regular durante vários meses. Também vem sendo assaltada por eventos da moda que em nada contribui para uma melhoria qualitativa da oferta cultural. O Guimarães Noc Noc, que está aí à porta, é um bom exemplo de um evento dessa natureza que não segue modas nem precisa de orçamentos obscenos para trazer claras mais-valias à comunidade. Nesse caso, também se trata de um evento que não se esgota num fim-de-semana mas que se sustenta numa estrutura estável e regular (associação Ó da casa) e que é apenas uma forma de promoção daquilo que se vai criando por Guimarães e arredores durante o resto do ano.
Voltando então à questão inicial: “Porque razão é que Guimarães não tem um festival de cinema?”
resposta a) porque a cidade de Guimarães já tem uma oferta cinematográfica regular ao longo do ano, que oferece uma programação cinéfila eclética, de qualidade e a um preço justo.
resposta b) porque já existem muitos festivais de cinema no espaço mediático nacional e esse seria apenas mais um festival sem particular motivo de interesse ou sem que significasse uma clara mais-valia para a comunidade.
resposta c) porque os eventos da moda não são as opções mais sustentadas e consistentes para garantir a formação e a fidelização do público a média e longo prazo.
resposta d) todas as anteriores.
Mais uma vez, a resposta parece-me óbvia…