Na senda jazzística que tem animado as noites cinéfilas de Guimarães, o mítico livro de Jack Kerouac chega-nos quase literalmente transposto para cinema por um muito dado à estrada Walter Salles. Transposto quase literalmente, não fossem os tempos outros, o que permite entrar no território explícito das coisas que nunca seriam ditas há mais de sessenta anos atrás. Para fazer um bom filme a partir de um livro não basta transpor as palavras para imagens vagamente correspondente aos acontecimentos narrados. Um livro é sempre uma peça com respiração própria. Pretender passar um livro para filme é tão disparatado como fazer em pizza a versão de uma feijoada (não que não haja quem o tente). Mas que é possível fazer grandes filmes a partir de livros (ou histórias) medíocres já nos foi ensinado pela “Morte em Veneza” de Visconti (a partir de uma novelita de Thomas Mann) ou pelo “Ter ou não Ter” de Hawks (a partir de um incaracterístico Hemingway). A Salles cabe-lhe fazer um bom filme a partir de um mau romance que, porém, é um excelente livro e, indubitavelmente, um clássico maior da história da literatura universal. Ora, parafraseando Kubrick, um livro é um livro, um filme é um filme, e um escritor revolucionário não é um realizador académico. Vejamos. Domingo de Páscoa à noite, no Vila Flor. Depois da água benta, sempre podem dar uma espreitadela aos caminhos da perdição.