O Lado Escuro das Coisas

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A exploração do tema da Teoria da Relatividade é recorrente no cinema. Basta ir atrás e recordar as aventuras do Dr. Emmett Brown na trilogia de “Regresso ao Futuro”. O tema é mais uma vez repescado em “Interstellar”, o filme de 2014, realizado por Christopher Nolan. De resto, a relação espaço-tempo-matéria é um tema a que o próprio Nolan regressa, depois de o ter feito em “Inception”, embora numa abordagem diferente.

Desta vez o género é o da ficção científica o que, por si só, poderá deixar alguns seguidores de Christopher Nolan de pé atrás. No entanto, ele explora da melhor forma a antevisão pré-apocalíptica do planeta, nas quase três horas de filme. Não é um filme fácil de perceber e não estou a ser presunçoso ao dizê-lo. Para o entender, foi importante o facto de me ter obrigado, quando miúdo, a ver a série “Cosmos”, apresentada por Carl Sagan. Essa série foi recentemente reconstituída pela National Geographic, sendo desta vez apresentada pelo astrofísico Neil deGrasse Tyson.

Uma dos aspectos que o filme levanta é a questão de percebermos até que ponto o que vemos é apenas uma visão da realidade, uma realidade que encerra em si muito mais do que aquilo que o homem consegue perceber e apreender. Desde logo, pela própria Teoria da Relatividade e pela incapacidade de o homem conseguir mover-se à velocidade da luz. Nada consegue viajar essa velocidade, que não a própria luz e as partículas que a compõem – os fotões. O sol que vemos num determinado instante é o sol que foi há seis minutos atrás, sendo esse o tempo que a luz do sol demora a chegar à Terra. Essa barreira determinada pela Natureza, o Homem nunca a conseguiu alcançar.

Tentei explicar isto ao meu pai, que me acompanhou a ver o filme, mas não me pareceu muito convencido. Dei-lhe um exemplo: quando naquela noite lhe liguei para combinar a hora para nos encontrarmos se, depois de ter desligado o telefone, eu pudesse viajar à velocidade da luz, quando o encontrasse ele provavelmente estaria ainda a atender a minha chamada. É esta abstração, esta suposição, que “Interstellar” explora de forma sublime. Mas não será a única.

Se, para além de poderemos viajar à velocidade da luz, pudéssemos também conservar o nosso corpo num sono criogénico? E como seria se conseguíssemos entrar num buraco negro – outro mistério que nos falta resolver na astrofísica: o que será aquele ponto no universo, que suga toda a matéria à sua volta e é capaz se engolir a própria luz? Por ventura, muitas destas questões terão a sua resposta, como outras que foram sendo respondidas pelos desenvolvimentos científicos, como as experiências com aceleração de partículas. Por outro lado, muitos destes alcances científicos, como a indivisibilidade do átomo, acabaram por ter reflexos destrutivos para o planeta e para a humanidade.

Claro que as soluções fictícias encontradas para resolver estes enigmas fazem parte da imaginação dos argumentistas que, no caso, inclui o próprio Christopher, com Jonathan Nolan. O exercício que fizeram é também registo de nota. Os espíritos que por vezes parecem perseguir-nos seremos nós próprios? Terá o criador feito de facto um deus à nossa semelhança, ao ponto de sermos nós próprios essa entidade a que chamamos deus? Poderá o amor ser considerado como uma variável científica, na altura de tomar uma decisão? Será o ser emocional e racional uma e a mesma coisa?

No fim do filme olhei para o céu e para as estrelas. Aqueles pontinhos que, por ventura, já nem sequer existem. Nós somos uma ínfima parte de algo extremamente grande, sendo também ínfima a parte daquilo que conseguimos explicar cientificamente. No fim temos o amor que colocamos nas coisas. Nas relações com as pessoas, na entrega que dedicamos a causas concretas, à ambição de ter sucesso e ser feliz. Ser sensível aos sinais que nos acontecem, sem que consigamos afinal perceber porquê. Por ter levantado toda esta reflexão achei o filme de extrema pertinência.

Afinal, nada se perde, tudo se transforma e aquilo que hoje somos fará parte de outro ser, de outra matéria, eventualmente de outro planeta. Não há mal nenhum em assumir que não sabemos o que fica para lá dos buracos negros do Universo – é isso que nos faz fazer perguntas e querer chegar mais além no Conhecimento. Enquanto houver questões sem resposta, ficamos com a ideia, válida como qualquer outra, de que existe uma entidade superior que nos transcende chame-se-lhe o que se queira chamar.

Este balanço entre as conquistas científicas e as dimensões místicas ou espirituais, além de serem capazes de questionar a nossa própria existência, são, na minha opinião o centro da discussão a que pode levar o filme. Coisa a que outros filmes do género, como “Gravity”, não me conseguiram estimular.