Novais Teixeira era um grande escritor…

… e tradutor, e jornalista e crítico de cinema.

O texto seguinte foi originalmente publicado no boletim do Cineclube de Guimarães do mês de Junho.

“Nota prévia: acompanhei este projecto desde o seu início, colaborando nas pesquisas de pré-produção, na recolha de alguns testemunhos e, sobretudo, participei activamente na fase da rodagem da parte ficcional em Guimarães.

O fantasma do Novais partiu de um convite feito pela área de programação de Cinema e Audiovisual à cineasta Margarida Gil para produzir um filme sobre Joaquim Novais Teixeira, um ilustre vimaranense que viveu quase toda a sua viva em exílio mas que se tornaria num crítico de cinema de referência internacional. O objectivo inicial seria recuperar a memória do seu percurso de vida e da sua intensa actividade cultural e cívica. Para isso, nos primeiros oito meses de trabalho, Margarida Gil recolheu centenas de referências bibliográficas, fotografias públicas e privadas, recuperou documentos inéditos como correspondência privada e entrevistou dezenas de pessoas, testemunhos directos de vivências em diversos pontos da Europa e do Brasil.

Ao longo desses meses, foi visitando com frequência Guimarães. Ao mesmo tempo que procurava conhecer melhor os habitantes e os recantos da cidade, de hoje mas também do passado, Margarida Gil foi também escolhendo espaços para a rodagem da fase final da produção: uma trama ficcional que iria “coser” os fragmentos recolhidos na fase de pré-produção e durante a recolha de testemunhos e que serviria de fio narrativo para estruturar o filme.

A cineasta percebeu rapidamente que o filme tinha te lançar uma âncora narrativa em Guimarães, a cidade-natal de Novais Teixeira e uma referência filial permanente na sua personalidade. Margarida Gil percebeu essa importância e não quis que Guimarães fosse apenas o cenário, mas também uma importante personagem. Por isso mesmo, procurou lugares do presente e do passado, espaços e pessoas da cidade que também fazem a sua identidade e o seu quotidiano, como o Convívio, o Cineclube, a Sociedade Martins Sarmento, o Coconuts, o Milenário ou a Adega dos Caquinhos.

O cruzamento entre a parte ficcional e documental do filme torna-o um objecto mais complexo, em que os elementos podem apenas se complementar ou, por vezes, fundir mesmo para criar algo completamente novo. É isso que parece aconteceu com alguns elementos mais simbólicos e alegóricos do enredo ficcional: a jovem vimaranense Carolina Amaral desempenha uma multiplicidade de personagens de diversas origens geográficas e cronológicas que estão relacionadas com Novais Teixeira, num impressionante trabalho da jovem actriz; algumas dessas características de múltipla personalidade também estão presentes na personagem interpretada por Isabel Machado, mas neste caso sendo uma variação mais linguística do que propriamente visual ou corporal; ou a presença recorrente do galo e do vulto misterioso que me parecem justificar o título do filme.

Na minha opinião, a chave para a leitura desses símbolos não pode ser meramente semiótica, por ser demasiado científica e racional, mas antes poética, muito mais intuitiva e onírica. A leitura desses elementos não é estritamente necessário para a compreensão do filme, mas ao serem perceptíveis tornam-no muito mais rico, complexo e interessante. A proposta é muito simples: existem no filme diferentes camadas que podem ser interpretadas e geridas pelo espectador de uma forma bastante livre.

O processo criativo de Margarida Gil nesta produção, pelo que pude observar in loco, foi bastante dinâmico e receptivo, permitindo que pudesse assimilar rapidamente elementos e estratégias que não estavam previstas mas que poderiam contribuir para o resultado final.”

Domingo, dia 3 de Junho, 21h30, São Mamede CAE.