Trailer “A grande beleza” (aqui)
por Pedro Jesus
O filme A Grande Beleza pode orgulhar-se do seu palmarés adornado por dezenas de prémios (Oscar, BAFTA e Globo de ouro para melhor filme em língua estrangeira ou os quatro galardões atribuídos pela Academia de cinema Europeu, incluindo o de melhor filme). Não pode contudo orgulhar-se de ser uma obra consensual. Porque não o é. Divide as águas. Os detractores vêem-no como um produto com uma ambição desmedida, a que o próprio título dá tom. Criticam-lhe a pretensiosismo, queixam-se da ausência de uma linha narrativa clássica, reviram os olhos quanto à inclusão de elementos dignos do realismo mágico. É relativamente fácil embirrar com um filme que não pede desculpas por convocar tantas referências literárias, filosóficas ou religiosas. E convocá-las precisamente para as mastigar e logo as cuspir de forma pouco cândida. Atente-se ao momento aquando da entrevista que Jep Gambardella, o protagonista, faz à artista torturada esmiuçando tudo até restar apenas nada. Há fel, há sarcasmo, há um olhar cirúrgico que desmonta as máscaras e as roupas que os protagonistas vestem todos os dias para se integrarem nos círculos que se movem. Já os amantes do filme vêem outras coisas também: vêem uma forma atípica de se filmar o vazio. Vêem como desde os primeiros minutos as câmaras se colam aos corpos que se movem num ritmo quase extático sempre a clamar pela exaustão ou pela capacidade de sentir algo. O elenco central do filme habita a faixa dos cinquenta, sessenta anos. São indivíduos que têm a noção de que há mais estrada percorrida do que aquela a percorrer. E questionam-se. E discutem. E têm urgência. Há uma voracidade existencial que se procura saciar por tentativas, sejam elas pela via das festas ou do fervor religioso ou da demanda da eterna juventude ou tão simplesmente pela anestesia dos sentidos. A Grande Beleza tem essa pretensão, sim. A pretensão de almejar a procurar um sentido para a vida. Ou pelo menos para estas vidas. Mas isso não é necessariamente nefasto. Aquando deste texto, confesso que já vi e revi o filme. Revi-o para confirmar se o espanto impresso na primeira vez era esbatido ou se era potenciado aquando de uma segunda exibição. E concluí que o espanto cresce. Espanto pela obra enquanto todo: realização, fotografia, argumento, montagem, banda sonora, interpretação. Uma realização em estado de graça, que nos faz perguntar “como é que a câmara gravou aquele plano, como?”, uma fotografia que acrescenta monumentalidade a uma cidade que já todos sabíamos monumental. E por aí fora até chegar à interpretação de um elenco algo paralisado, sem tempo a perder e na demanda de sensação imperdíveis. Como imperdível é este filme. Porque é raro e porque é como uma vertigem que não nos larga.
(Em exibição no dia 6 de abril, no Cineclube de Guimarães)