Flatland (Redux)

Com uma grande história por detrás, a Pintura é a mais antiga forma de produção de imagens. No século XIX, com o aparecimento das primeiras fotografias, esta arte tão ancestral foi submetida a profundas alterações até chegar aos mais diferentes (e muitas vezes mal entendidos e criticados) movimentos vanguardistas e outros contemporâneos do século XX. Neste século, a pintura viu  não só a sua morte declarada, mas também a sua ressurreição. Muitos artistas preocupam-se hoje com a forma de definir esta arte.

É num espaço de dois andares que, no CCVF, Delfim Sardo desafia conceitos que a muitos parecem ser indiscutíveis quanto à sua validade.  Flatland (Redux), nome da exposição, é só por si bastante explicativo. Aqui irão ser exploradas as ideias de superfície, espaço, material, movimento e também sobre a nossa visão (ironicamente descrita como demasiado plana (flat) para conter ideias inovadoras do que em que consiste a pintura). Curiosamente, o nome é inspirado pelo livro de Edwin A. Abbott, Flatland, que conta a história de um quadrado que vive num mundo bidimensional.

A exposição conta com as obras de quatro artistas de renome internacional, um dos quais português:

Michaël Borremans (1963)
Borremans é um pintor e realizador suiço cujos trabalhos são fortemente inspirados pela pintura do século XVIII. Nas suas obras podemos distinguir facilmente uma forte inspiração do espanhol Velázquez. Quadros que variam entre a paisagem, natureza morta e principalmente retrato, podemos observar uma abordagem conceptual à morte e à metamorfose. Espacialmente, pinta em superfícies reduzidas e, curiosamente, os quadros de Borremans não transmitem quase nenhuma sensação de movimento, visto que pinta através de fotografias. Deste artista podemos apontar também o facto de todos os seus quadros apresentarem uma característica de estranheza, que não devia pertencer à ordem natural das coisas. Esta característica pode ser física ou metafísica.

The Ear, Michaël Borremans

The Ear, Michaël Borremans

João Queiroz (1957)
Dos quatro é o único português. Nasceu em 1957 em Lisboa e começou a expor pintura e desenho enquanto estudava Filosofia na Universidade de Lisboa. Como tal, esta paixão é o mote de fundo de todas as suas obras.  Toda a sua pesquisa  opera no âmbito de como a linguagem nos pode afectar a nível artístico e intelectual. João Queiroz não acredita que cada artista deve estar associado a ideias, mas antes que as ideias é que devem estar associadas aos projectos. Ele é exactamente o contrário do artista de projecto.  João Queiroz é fortemente influenciado por Claude Monet e de outros pintores do Impressionismo. Segundo ele mesmo, pinta com o corpo. “Com o meu olhar, não quero compreender nada, organizar nada, dispor de nada, catalogar nada”, afirma o artista. Com isto, a sua relação com a natureza reflecte muito mais a motricidade do que propriamente a contemplação. Em termos técnicos, poderíamos dizer que João pinta maioritariamente paisagens. Porém, não são paisagens verdadeiramente reais. São, sim, composições de diferentes paisagens, ao qual gosta de chamar “conjunções de memória” .

João Queiroz

João Queiroz

Michael Biberstein (1948)
Michael Biberstein nasceu na Suiça em 1948, mudando-se para Sintra em 1979. Dos quatro, os seus trabalhos são os que envolvem mais o observador. Em termos de espaço, as suas obras são telas enormes, uma delas criada especialmente para a Flatland (redux). Note-se que as suas telas são constituídas por linho.

As obras de Biberstein são desafiantes do ponto de vista da percepção. Abordam a espacialidade e desmaterialização quase total. Sugere-se aos admiradores que observem primeiro o quadro a uma certa distância, e que de seguida percorram a obra ponta a ponta, a centímetros da mesma. O que vai acontecer não diremos, pois isso também é Arte. Arte não precisa de ser percebida em todos os casos, mas obriga-nos a senti-la. Senti-la na pele, nos olhos, na mente. A pesquisa por detrás da obra é influenciada pela pintura característica do Romantismo . No entanto, em termos de técnica, Biberstein utiliza métodos de pintura chineses e outros mais contemporâneos, sendo as suas obras expostas pintadas com esponja.

Purple Haze II (não se encontra na exposição)

Purple Haze II (não se encontra na exposição)

Angela de La Cruz (1965)
Nascida na Corunha em 1965, a sua obra exposta em Flatland (Redux) é a mais provocante. Segundo fontes ligadas ao CCVF, as perguntas mais frequentes sobre a sua obra são: “Isto é uma ponte entre a escultura e a pintura?”. Os mais decididos: “Isto não é pintura”. Ou ainda os mais distraídos que pousam as mochilas ou outros objectos sob uma das suas obras. É aqui que se encontra um dos núcleos principais do projecto: o que é a pintura?
Aqui pretende-se mostrar a todos os visitantes que a pintura não tem que ser realizada num espaço bidimensional. A sua pintura é totalmente desmaterializada, monocromática e a três dimensões.  La Cruz deixa nas suas obras um traço forte da sua biografia. Ela é uma artista em cadeira de rodas cuja filha já esteve em coma por causa de um acidente de viação.

Transfer with armchair (em castanho na exposição)

Enfim, uma exposição excelente a não perder!