Esta história começa com a culpa do Programa de Cinema e Audiovisual da Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura. Daniel Blaufuks, fotógrafo, foi convidado para produzir um dos quase 40 filmes rodados em 2012, e o convite foi aceite. O filme, porém, não chegou a ser projectado numa sessão do São Mamede.
Esta história começa com o fascínio de Daniel Blaufuks por Victor Erice, “um dos maiores realizadores europeus da actualidade” (Blaufuks disse isto ou algo semelhante durante a conversa de 22 de março no CAAA). Erice foi um dos convidados a produzir um filme no âmbito de Guimarães 2012, e o seu trabalho focou a história dos antigos trabalhadores da Fábrica de Tecidos do Rio Vizela (Fábrica), em Vila das Aves. “Vidros Partidos” é um documento com alguma ficção sobre estas pessoas e as suas memórias, e engloba a obra “Centro Histórico”, em conjunto com um filme de Manuel de Oliveira, Aki Kaurismäki e Pedro Costa. “Vidros Partidos” é, muito provavelmente, um dos melhores filmes produzidos em Guimarães 2012.
Daniel Blaufuks decidiu fazer um filme sobre este filme e acompanhou Victor Erice no seu trabalho, inclusive durante as filmagens na Fábrica. E, estando na Fábrica, não conseguiu libertar-se dela (a culpa, de novo, do fascínio). Erice acabou por falar sobre a vida dos trabalhadores. Blaufuks ficou com a história da Fábrica (e se a vida daquelas pessoas era o trabalho, a história da Fábrica é a história daquelas vidas).
Blaufuks fez um filme, um livro, uma exposição/instalação e fotografias sobre a Fábrica, um lugar escuro e frio – aquele frio húmido, que gela os ossos – onde o tempo custa a passar e o ruído das máquinas incomoda até doer. Estas sensações, presentes no livro, são fáceis de sentir na exposição/instalação: um lugar estranho à partida, mal iluminado e difícil de usufruir, ou não estivéssemos a retratar uma Fábrica onde os funcionários eram “apalpados e revistados à saída pelo director”. Esta dureza crua do trabalho (e do trabalho de milhares de operários da Fábrica, que contava com cerca de 5.000 trabalhadores), é visível e constrói toda a exposição, que apresenta o processo de trabalho do projecto: elementos recolhidos nas ruínas da Fábrica, o mono e planos de impressão do livro, pequenos recortes, vídeos, sons e fotografias. A cru, mesmo que para isso o espectador tenha de inclinar a cabeça para poder ver as imagens, não importa. Mesmo que seja impossível estar mais de 9 minutos dentro da sala sem começar a sentir angústia, e medo do tempo.
Apesar da exposição ser difícil de esquecer, “Fábrica” é, sobretudo, o livro. Um livro com um filme no fim. Um livro com fotografias da Fábrica em ruínas, das pessoas na Fábrica, da Fábrica a fabricar e das amostras de fabrico. Um livro sobre um lugar sem escala, sobre o fascínio. Um livro que é um murro forte no estômago quando nos apresenta o dia-a-dia dos nossos avós. Ainda bem que a Fábrica fechou.
A exposição Fábrica está patente no CAAA Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura até 26 de maio de 2013, e o livro também pode ser comprado e consultado nesse espaço. As fotografias deste texto são do João Octávio.